Primeiro veio a ideia de escrever um romance centrado num personagem muito jovem, que fosse movido pelas redes sociais e vivesse essa evolução recente dos contatos virtuais. Era 2010, e, no ano seguinte, o escritor e diplomata João Almino se mudaria para Madri para uma temporada profissional. Chegando lá, seu personagem, então um rascunho, foi adquirindo novas camadas porque Almino começou a se interessar pelo tema da ocupação islâmica na Península Ibérica.

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Vizinho da Biblioteca Nacional da Espanha, foi ali que ele iniciou as pesquisas. Nessa época, a primavera árabe estava começando a chacoalhar o mundo e os jornais já traziam notícias sobre o islamismo radical. E a história, que ele queria, desde o princípio, que tivesse como ponto de partida uma certa desorientação do mundo atual, foi ganhando corpo. Enigmas da Primavera, lançado agora, aborda isso tudo e muito mais: família, amor, liberdade, responsabilidade, busca de identidade e de entendimento do mundo, rejeição, frustração e delírio.

Majnun é um garoto na casa dos 20 anos que foi criado, confortavelmente, em Brasília, pelos avós maternos – que lutaram pela democracia quando o País vivia sob a ditadura militar. O pai, que tinha 15 anos quando engravidou a mãe, morreu de overdose. Ela, viciada em heroína e com surtos psicóticos, estava internada. “Quando pensava nela, imaginava-a tomando uísque e cheirando carreiras de cocaína”, nos informa o narrador.

Frustrado por não conseguir entrar na faculdade de História, vive mergulhado em pesquisas na internet. Seu interesse: encontrar na tradição islâmica a explicação da tolerância. Sua vontade é que um ensaio sobre o tema perpasse a novela que ele está escrevendo sobre o Alhambra. Seu interesse pelo mundo árabe, porém, não é gratuito. Sua avó paterna é descendente de árabes, muçulmana que não usa o véu, e é com ela – e com um professor espanhol – que ele conversa sobre essas questões.

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É perdidamente apaixonado por Laila (como Majnun, o louco da história árabe do século7, é por Layla). Ela é muçulmana como a avó dele, mais velha e casada. Depois de uma reviravolta nessa sua história de amor, ele parte para Madri com duas amigas que participariam da Jornada Mundial da Juventude, o grande encontro de jovens católicos com o papa. Era a desculpa perfeita para fugir dos problemas e realizar o sonho de visitar Granada. Na verdade, seu sonho era ter vivido ali séculos atrás.

Enquanto essa história vai sendo contada, Majnun flerta com o islamismo radical, rompe com a família, perambula por Madri, delira e surta em Granada. Na volta da Espanha, encontra um jeito de fazer a diferença. Já estamos em 2013 e a população está nas ruas de todo o País protestando contra uma série de problemas. Ele também.

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“É um risco muito grande fazer um romance sobre questões contemporâneas, mas sempre me interessei pelo tema do presente”, conta João Almino. Assim, tentou entrar nesses acontecimentos – além da primavera árabe e dos protestos de junho, estão ali o movimento dos indignados, da Espanha – por meio da visão subjetiva dos personagens e tentando verificar, como diz o autor, do ponto de vista emocional, como eles estão sendo mobilizados por esses acontecimentos. Assim, não importa o resultado da ação, mas, sim, sua influência naquele personagem.

Majnun poderia ser um desses jovens que deixam tudo para trás e se envolvem com grupos islâmicos radicais. “Isso tem um sentido de utopia para ele, mas uma utopia regressiva. Uma volta a um passado que nunca existiu. E essa é também uma das inspirações dos grupos radicais, que acreditam que houve essa pureza, essa inocência original, mas ela nunca existiu”, diz o autor. Sobre o perfil dos que se envolvem, ele comenta que o que há de comum é que são todos muito jovens e recém-convertidos, portanto, “pessoas com conhecimento rasteiro de alguns aspectos dessa ideologia”. Neste sentido, a leitura de Enigmas da Primavera fornece informações ao leitor que deseja entender melhor o que está acontecendo no mundo para não radicalizar também. “Esta é uma questão que interessa a todos. Não é puramente do mundo árabe, do mundo islâmico ou da Europa. É tão importante quanto foi, nos anos 1920, 1930, a expansão da ideologia totalitária. E a expansão das novas ideologias totalitárias contemporâneas interessa ao filósofo, ao historiador e também ao ficcionista”, diz o escritor.

João Almino, que voltou a Brasília esta semana por tempo indeterminado depois de 10 anos vivendo entre Madri, Chicago e Miami, já pensa no próximo livro. A capital federal deve deixar de ser cenário. “Estou muito tentado a voltar para o Nordeste. Criei uma cidade fictícia perto de Mossoró, onde nasci, e já pus os personagens lá. Vamos ver o que sai disso.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.