Um relato sincero

Empregadas domésticas e a dura rotina quase invisível

Despertar em meio a lençóis de seda com a cabeça repousada sobre travesseiros forrados com pena de ganso – uma fina bagunça digna de um editorial de revista de decoração. Colocar os pés dentro de pantufas macias e felpudas para ir até a copa e sentar-se frente a uma mesa já posta com um belo café da manhã – estilo hotel cinco estrelas – enquanto assiste ao Bom Dia Brasil em uma televisão de 60 polegadas. Após checar e-mails, mensagens e atualizações de redes sociais em gadgets e smartphones de última geração, adentrar um closet de 15 m² com incontáveis peças de roupas, sapatos, assessórios e espelhos por todos os lados – tudo comprado em constantes visitas aos shoppings mais caros de Curitiba e viagens ao exterior. E depois, com roupas equivalentes a uns três salários mínimos, fazer uma visitinha rápida à sacada, de onde, do alto de 18 andares, tem-se uma vista privilegiada da cidade, o cenário perfeito para o sagrado cigarro da manhã. E aí sim, depois disso tudo, descer até a garagem e entrar no carro importado e imponente para dirigir até o trabalho, que ao final do mês paga um salário tão alto, que pode  arcar com todas as coisas citadas até agora sem esforço algum.

Essa é a vida dos patrões de Rose, empregada doméstica há mais de 20 anos. E há sete, desde que começou a trabalhar para essa família, tem uma rotina que quase nunca muda. Acorda às cinco, e enquanto se arruma para mais um dia de trabalho também esquenta água para o chimarrão, que faz parte de um ritual diário de 10 minutos em que ela senta e toma duas ou três cuias desligando-se do mundo ao redor, faz isso há mais tempo do que consegue se lembrar. A empregada doméstica deixa o bairro onde mora, Cidade Industrial de Curitiba, e seus três filhos dormindo em casa às 5:40, e depois de uma viagem de ônibus de 50 minutos, chega ao Batel, bairro de alto nível onde localiza-se a o apartamento luxuoso do qual Rose toma conta, limpa e arruma com muita dedicação:

– Eu gosto de dizer que cuido como se fosse minha casa, apesar de não se parecer nada com ela, o capricho é o mesmo.

É ela a pessoa por trás da bela mesa de café da manhã esperando pelos donos da casa acordarem; é também a responsável pela organização impecável de tudo, inclusive de todas aquelas roupas e sapatos. Rose conhece cada objeto dentro daquele apartamento, e orgulha-se em dizer que seu trabalho vai além de limpar, ela sabe que é uma peça fundamental no cotidiano dos seus patrões, tem completa consciência que da mesma forma que ela depende do salário que eles pagam, eles dependem dos serviços dela em grande escala.

Mas quando era mais nova, Rose procurou escapar da vida de empregada doméstica que via sua mãe levar. Ela observava a mulher limpando casas, fazendo papel de mãe para filhos de patrões, com jornadas de trabalho desumanas ganhando uma miséria, tendo que se desdobrar para criar os quatro filhos. Rose precisou deixar a escola quando ainda tinha 14 anos para ficar em casa cuidando dos irmãos mais novos, e por causa disso, mais tarde acabou tendo grande dificuldade para encontrar emprego. Apesar da relutância, se viu obrigada pelas circunstâncias – e também por sua mãe – a trabalhar como zeladora em uma escola, aos 18 anos, e logo recebeu uma oferta irrecusável (o salário era quase o dobro) da diretora da escola para trabalhar em sua casa.

E desde o começo dos seus dias como empregada doméstica, talvez por pura sorte, Rose viu sua vida se tornar completamente diferente do que foi a de sua mãe:

– Todos esses anos sendo doméstica, a única vez que sofri algum tipo de humilhação foi quando uma amiga de uma das crianças da casa me mandou limpar o suco que ela havia derramado, e ao dizer que esperasse um minutinho porque eu estava ocupada, ela me lançou algumas ofensas, para logo em seguida ser calada e convidada a se retirar pela amiguinha, que gostava muito de mim.

Além disso, seu salário era ,justo e a cada ano via sua função tornar-se mais e mais aparada pelas leis. Suas três gestações nunca foram problema em nenhuma casa que tenha trabalhado e todos os seus filhos ficaram junto dela por um bom tempo depois da licença maternidade chegar ao fim.

 Apesar das bonanças que conclui ter vivenciado, não se pode apagar as diferenças gritantes da vida que pode oferecer para seus filhos em comparação à vida dos seus patrões. Bolsas de estudo, cursinho de línguas estrangeiras, Rose não se cansa de correr atrás do futuro dos filhos, que aprenderam com ela a batalhar e perseverar.

– Nenhum deles nunca teve vergonha do que eu sou, eles têm é muito orgulho de mim e me enchem de alegria. Até me contaram há um tempo que tem muita gente formada que trabalha de doméstica rebuscada porque a procura é muita e os salários são ótimos (risos).

Porém, os filhos de Rose têm outros planos: um vai ser médico, o outro cientista e a caçula, veterinária.

Paraná Online no Google Plus

Paraná Online no Facebook

Voltar ao topo