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Em peça, Fulvio Stefanini refaz os laços entre pai e filha

Os telefones e as coincidências parecem acompanhar o ator Fulvio Stefanini. Quando tinha 15 anos e trabalhava como figurante na TV Tupi, o jovem foi pedir ao ator Sergio Cardoso para fazer um teste em sua companhia. “Deixei meu telefone e ele disse que ia me ligar.” Dois meses se passaram e o silêncio inquietava o rapaz. Um dia, no fim de mais um expediente, Fulvio precisava passar por um longo corredor para chegar à portaria da emissora. “Era noite, e ninguém estava a por ali, naquele horário. Nem mesmo o porteiro. Era até um pouco sombrio.” A caminhada seguiu silenciosa até o portão. Antes de fechá-lo, porém, o telefone da guarita tocou. Uma, duas, três vezes. Ninguém veio. E como ele já estava próximo, decidiu atender. “Alô, eu estou procurando um ator que trabalhar aí… Ele se chama Fulvio Stefanini.” E Fulvio perguntou: “Quem quer falar com ele?”. “É o Sergio Cardoso.”

Aos 76 anos, o ator, que celebra 60 anos de carreira, afirma que os primeiros passos foram dados pedindo trabalho para muita gente. O mesmo ocorreu com Cassio Gabus Mendes, até então diretor artístico da TV Tupi. “Naquela época, você passava seu número de telefone e as pessoas ligavam mesmo. Hoje, elas nem atendem.” Mesmo assim, os tempos mudaram tanto que trouxeram consigo a vontade de festejá-los.

Nesta sexta-feira, 12, o ator estreia o espetáculo O Pai, texto do francês Florian Zeller, que se espalhou como fogo na Europa e nos EUA, em montagens muito bem-sucedidas. Na Inglaterra, a peça foi eleita a melhor do ano pelo jornal The Guardian e na França abocanhou dois troféus Molière nas categorias melhor atriz e ator. “O espetáculo possui esse tema comum das relações familiares, que faz parte de todos nós, de quem está na situação do pai, mas também da família que cuida, e dos filhos”, explica Fulvio. “Mas há uma grande sacada”, aponta. “A plateia vê a história pelos olhos do velho.”

Recentemente, o ator foi assistir à versão argentina com o filho mais novo, Leonardo, que dirige o pai na montagem. Há, ainda, uma adaptação em cartaz nos cinemas. O texto original, um misto de comédia e drama, acompanha a vida de um homem com idade avançada e cuja memória começa a vacilar. “Não fica claro que tipo de doença ele tem”, conta Fulvio. “Mas é o que todos dizem para ele.” A casa em que vive é constantemente frequentada pela filha e a cuidadora do homem, além de algumas figuras um tanto misteriosas. “São sujeitos que ele não sabe muito bem por que estão lá. O velho chega a questionar, mas os outros o ignoram.” Leonardo ressalta que há na peça um dos componentes do gênero thriller, pouco usual no teatro. “As falhas na memória vão alimentando esse suspense, diante dos olhos da plateia. E com uma grande virada no fim”, garante o diretor.

O constante estado de confusão do personagem não tem nenhuma semelhança com Fulvio que aos 76 anos é o protagonista mais jovem, entre as demais montagens. Para o ator que já foi elogiado por Jorge Amado pela interpretação de seu Tonico Bastos, em Gabriela, Cravo e Canela, Fulvio conserva a memória viva, com histórias na ponta da língua acompanhadas de boas gargalhadas que descrevem o seu prazer nesses 60 anos de palco, televisão e cinema. E sem esquecer dos telefones e coincidências.

Ele recorda de outro episódio no qual se preparava para apresentar um recital ao lado do ator Walmor Chagas. Um dia antes, o colega de palco deixou o sítio em Guaratinguetá e se encaminhou para a casa de Fulvio. Enquanto ensaiavam, o telefone tocou. “Era a Cacilda Becker”, diz Fulvio. “E adivinha quem ela estava incansavelmente procurando? O Walmor.” A parceria dos três atores mais Lilian Lemmertz foi o que alavancou a carreira de Fulvio, em Quem Tem Medo de Virgínia Wolf, que estreou em 1965, peça montada simultaneamente na Broadway.

E quando Leonardo nasceu, essa rotina de trabalho do pai nos palcos era acompanhada por toda a família. “A gente enfrentava uma temporada de terça a domingo, sem reclamações”, diz Fulvio. “E eu fui criado tomando leite na mamadeira lá na coxia”, conta o diretor que recorda o aviso da mãe, Vera, de que a peça ia começar. Desde então, os dois ainda não tinham trabalhado juntos. Bom, não desde o início desse projeto, pois Fulvio substituiu um ator na comédia Não Sou Bistrô, encenada em 2015, cujo personagem principal era um estressado chef que após um infarto precisou se aposentar, mas antes precisava encontrar um jovem que herdasse sua marca.

No elenco ainda estava Fulvio Filho, o mais velho. “Meu pai tinha visto a peça muitas vezes. E topou entrar no elenco. Ele já tinha as falas decoradas e em dois ensaios tudo estava resolvido”, conta Leonardo. O que eles não esperavam, só ia acontecer na estreia. “Eu tinha tudo na cabeça”, conta Fulvio. “Mas depois de uma fala minha, não tinha mais ideia do que fazer em seguida”, recorda. Se cada ator arruma seu próprio jeito de resolver os brancos em cena, Fulvio tomou a decisão que lhe pareceu mais sensata. “Fui saindo do palco, em direção a coxia.” Mas como um ator nunca está sozinho no palco, logo apareceu um salvador. “Por quê o senhor não se senta nessa cadeira?”, um ator lhe perguntou. “Eu só tive tempo de concordar e me sentar aliviado.”

Em O Pai, Fulvio e Leonardo têm trabalhado desde a concepção do projeto, no ano passado, quando adquiriram os direitos da peça. “Agora é para valer, nossa primeira peça juntos”, diz o diretor. Mas o caminho não é fácil e a véspera da estreia pode atrapalhar os humores. “Ontem nós fomos embora de mal”, brinca Fulvio. “Estamos ansiosos”, justifica Leonardo. Acontece, nas melhores famílias.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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