Em Cannes, Sonia Braga fala de manifestação no tapete vermelho

Para o macho brasileiro que, no escurinho do cinema, nos anos 1970 e 1980, sonhava com Sonia Braga – a eterna Dona Flor, ou Dama do Lotação -, talvez seja um choque ver a ainda gloriosa Sonia numa certa cena de Aquarius. No longa de Kleber Mendonça Filho, Clara, a protagonista, volta da praia e, diante da câmera, ao tirar a roupa, exibe a cicatriz de um seio amputado. É real? “Não, mas é muito bem feito, não? No filme, Clara sobrevive a um câncer, então era importante mostrar a marca. Se, para mim, foi difícil fazer a cena na ficção, imagina como é, na realidade, para mulheres que fazem mastectomia”, comenta a atriz, nascida no Paraná, que faz 66 anos no dia 8 de junho.

Sonia Braga está de volta à Croisette, um território que tem sido dela há mais de 30 anos. Veio com Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor, O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco, e Rebelião em Milagro, de Robert Redford. Retornou como jurada, sob a presidência de Sydney Pollack, e (re)apresentou Mulher Aranha, quando o filme passou em Cannes Classics.

“Devo ser uma raridade, uma atriz que se tornou clássica em Cannes, exibindo duas vezes o mesmo filme”, brinca. Clássica, e também uma resistente, na arte e na vida. Na tela, em Aquarius, Clara resiste à incorporadora que quer comprar seu apartamento para derrubar o velho prédio e construir um espigão na praia de Boa Viagem, no Recife. Na vida, Sonia foi parar, como toda a equipe do filme, nos principais noticiários da noite na França, na terça-feira, dia 17 – e depois na capa de jornais de ontem (18), como The Guardian -, ostentando cartazes de protesto contra o impeachment no Brasil. A presidente afastada, Dilma Rousseff, repercutiu e agradeceu no Twitter. “Não fizemos para aparecer, mas pelo Brasil”, informa ainda Sonia.

Morando no East Side de Nova York, você é capaz de pensar que Sonia está muito longe de casa para se envolver com coisas que desconhece. Errado – ela faz questão de manter muito fortes os laços com o País. Em outra cena do filme, o arrogante neto do dono da construtora tenta colocá-la em seu lugar. Clara é veemente, mas a frase poderia ser de Sonia – “Os ricos dizem que a educação é o problema do Brasil, querendo falar mal dos pobres. Mas quem não tem educação são os ricos. Nossa democracia ainda é frágil, para ser tratada dessa maneira.”

Sonia Braga ainda não teve tempo de fazer o que gosta – no Brasil, em Cannes ou Nova York. Essa mulher é uma andarilha. Adora bater perna. “Ponho um tênis velho, um abrigo e saio pela rua.” Às vezes, admite, é tratada como mendiga. “Já tentei entrar em lojas e me diziam que entregas eram nos fundos”, e cai na risada. O primeiro impacto é o tamanho. Sonia é do tipo mignon.

Mais detalhes sobre a atriz, sua vida e carreira, estão na entrevista a seguir.

Você pode me explicar qual é a mágica? Como você cresce na tela e vira aquele mulherão?

É simples, meu amor. A câmera me adora. É recíproco, porque eu a adoro, também. Estamos aqui nesse festival, o maior do mundo, com o trabalho da gente em Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, repercutindo para todo o mundo. Confesso que sou uma mulher do audiovisual. Adoro um set de filmagem. Frequento até quando estou de folga. Nunca se sabe, sempre posso ajudar a carregar alguma coisa.

Mas existe o outro lado, glamouroso, o tapete vermelho. E você também domina essa área. Como?

Porque faz parte, porque é preciso. Fazer um filme é complicado, tem de ter retorno. Estamos em Cannes. Vai dizer a um nadador, que entrou numa competição que ele não deve querer ganhar… Se entramos, temos de ser vistos. Sou uma mulher muito visual. E sou meio estilista, adoro me produzir, mas tenho gente que faz tudo para que eu brilhe. Narciso Rodriguez criou meu vestido para o tapete vermelho. No meio da festa do filme, recebi uma mensagem dele, dizendo que me curtiu na montée des marches. Sabe, essas coisas ainda me emocionam.

E o protesto?

Teve seu lado engraçado. Surgiu de uma proposta do povo do audiovisual brasileiro, aqui em Cannes. Perguntaram se a gente topava. Claro, mas o (diretor) Kleber (Mendonça Filho) só queria que não fosse inadequado. Pisei no tapete vermelho e ‘monsieur’ (o diretor artístico Thierry Frédmaux) me deu o braço para que eu o acompanhasse na subida da escadaria. Estava subindo, quando perguntei – “Cadê o povo?” Olhei para trás e o protesto já tinha começado. Desci voando e também peguei meu cartaz, “Está ocorrendo um golpe no Brasil!”.

Foi um gesto bonito, corajoso. Por quê?

Porque a gente tem de participar. Até a Dilma (a presidente afastada Dilma Rousseff) repercutiu e agradeceu no Twitter. Temos de defender nossa democracia, que ainda é frágil. Creio muita numa frase que a Clara (o nome da sua personagem) diz em Aquarius. Ao enfrentar o neto do dono da incorporadora, que quer construir o espigão em Boa Viagem (a praia do Recife), ela observa que os ricos vivem dizendo que o problema do Brasil é a falta de educação. Dizem isso para falar mal dos pobres, mas quem não tem educação são os brasileiros ricos, que se acham. Tudo o que a gente está vivendo é pela falta de educação deles.

Como a Clara chegou para você?

Por e-mail. Kleber falou com um amigo de um amigo, que tinha meu e-mail e fez o convite, depois mandou o roteiro. Só nos encontramos, de verdade, um ano depois, quando o filme já estava andando. Eu digo sempre que não sou atriz, mas tenho essa familiaridade com a câmera e me coloco na mão dos diretores. Em Aquarius, contracenei com um gigante, um ator muito técnico. Irandhir (Santos) é gênio, mas você não vai acreditar a facilidade que foi fazer as cenas com ele. Era só olhar no olho e deixar fluir. Foi lindo.

Foram tantos filmes míticos. Que lembranças você guarda?

Xiii, são muitas, mas não dos filmes e, sim, dos sets. Em Dona Flor lembro do (José) Wilker, que já foi. No Beijo da Mulher Aranha tínhamos dois sets. (Hector) Babenco trabalhava a parte realista da cadeia com William (Hurt), Raul (Julia) e (o diretor de arte) Clóvis Bueno. No outro set, eu construía a Mulher Aranha com Manuel Puig (autor da novela) e Patricio Bisso. Eu tinha de fazer assim (Sonia faz um gesto com a mão) e o William repetia, unindo os dois sets. Tínhamos uma diretora de gestual, não sei como se chama isso, só para fazer direito.

Não seria um filme com Sonia Braga se não tivesse uma cena caliente de sexo…

…Ah, você estava esperando, é? Ganhou! Acho o sexo uma coisa tão natural na vida da gente. A boa sociedade quer colocar o sexo num compartimento, mas eu sinto muito – carrego meu sexo comigo. Não dá para dissociar. Não tem a ver com idade, com meus 65 anos. Falei, ontem, aqui com um garoto que me disse, todo envergonhado, que era tímido. Meu conselho para ele – se solte! Arranje alguém. A vida sem sexo é muito chata.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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