Dupla Dias & Riedweg inaugura mostra ‘Histórias Frias e Chapa Quente’

Como um cenário do “absurdo na realidade”, 80 frases cobrem a fachada da Galeria Vermelho. No painel de letras brancas sobre fundo preto, a sentença “Hoje não me esqueceria de pensar”, do dramaturgo Samuel Beckett, está ao lado de “Os pobres são seres maravilhosos no dia a dia”, declarada pela socialite Narcisa Tamborindeguy. “Se me virem dançando com uma mulher feia, é porque a campanha já começou”, disse o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o mesmo de “Cinquenta anos em cinco”. “Isto não é o fim. Não é o começo do fim. Mas Talvez seja o fim do começo”, afirmou o britânico Winston Churchill sobre a 2ª Guerra – é pelo Blocão, arquivo de tantas coisas já publicamente ditas, por personalidades das mais distintas, desde 1944, que se inicia Histórias Frias e Chapa Quente, mostra que a dupla Dias & Riedweg inaugura nesta terça-feira, 16, em São Paulo.

As manifestações populares de 2013 no Brasil, assim como a relação entre Guerra Fria e aquecimento global, são questões colocadas pelo carioca Mauricio Dias, de 50 anos, e pelo suíço Walter Riedweg, de 58 anos, na exposição que, apresentada sob mesmo título, entre outubro e novembro na Casa França-Brasil, no Rio, traz conjunto de obras praticamente inédito para o público paulistano. Em tempos de pura tensão, os artistas, que trabalham juntos desde 1993, misturam considerações sobre presente e passado para mais uma vez tratar de alteridade. “É uma constante investigação tentar verificar o estado das coisas, as maneiras como a gente vive, constrói e desconstrói a sociedade”, diz Dias. “E como a sociedade nos constrói e desconstrói também.”

No Rio, contam, as frases do Blocão (2014) saíram às ruas, tomando portas de banheiros, cenários de espetáculos escolares e até passeatas, pois as sentenças, estampadas, também ficam em pilhas para serem levadas pelos visitantes. Mas mais do que esse caráter vivo, o trabalho, feito em parceria com a crítica de arte Glória Ferreira e a artista Juliana Franklin, indica uma das mais recentes vertentes do trabalho da dupla, a necessidade de falar do outro usando práticas de arquivo.

“Essa exposição trata da história com fragmentos”, define o carioca. “Não existe uma verdade e criar distanciamentos é uma maneira de falar, quase como um exercício musical”, diz o suíço. O tempo, assim, transforma-se em matéria de reflexão nesses trabalhos da dupla, dos poucos criadores a aliar a contundência de temas com a subjetividade.

Termômetros

Na principal sala da Galeria Vermelho, Cold Stories (2011) é como uma videoinstalação “psicodélica” feita de imagens de televisão, dos anos 1960 e 70, que flutuam, projetadas dentro de bolhas virtuais e coloridas, pelas paredes do espaço expositivo. A trilha sonora, também de época, mescla temas populares como da série 007. “A TV era a nossa babá”, afirma Mauricio Dias.

A polarização entre capitalismo e comunismo fica clara não apenas pelo clima das projeções, como pela presença de marionetes dos líderes Che Guevara, Mao Tsé-tung, John F. Kennedy e Nikita Khruchev, completando o trabalho. Para os artistas, a Guerra Fria “esfriou” a alteridade e “aqueceu” o consumo. “A gente vai inventar uma milhão de produtos para substituir a força da relação”, considera o carioca. “Claro que vemos com isso um problema ecológico.” A “chapa”, por assim dizer, vai, cada vez mais, “aquecendo” ao longo da exposição, que trata de um período que vai desde 1944 – ou seja, passando também pelos regimes ditatoriais – até 2024, explica ainda o carioca.

Um dos pontos altos da exposição, assim, torna-se a outra sala da galeria onde Dias & Riedweg, que acabaram de realizar uma retrospectiva de sua produção em Lucerna, Suíça, exibem a videoinstalação de quatro canais na qual combinam imagens de arquivo das manifestações brasileiras e de fenômenos da natureza.

Em diálogo com este trabalho, intitulado Chapa Quente, a ideia de “explosão” se completa com duas peças objetuais da dupla, que tem o vídeo como meio de linguagem de excelência – Evidência, um termômetro de 3 metros de altura que relaciona temperatura com fatos políticos, e Sob Pressão, linha formada na parede por 30 barômetros cujos interiores trazem nomes de favelas do Rio.

As comunidades cariocas, há tempos investigadas pelos artistas, são aliás, tema de outra passagem da mostra, a bela suíte Pequenas Histórias de Modéstia e Dúvida, formada por quatro trabalhos de 2011 projetados em tríptico, com destaque para O Espelho e a Tarde. Nessa obra, Cleiton caminha pelo Complexo do Alemão carregando um espelho no qual, literalmente, se reflete a realidade.

DIAS & RIEDWEG

Galeria Vermelho. Rua Minas

Gerais, 350, 3138-1520. 3ª a 6ª, 10 h/ 19h; sáb., 11 h/ 17 h. Grátis. Até 14/2. Abertura nesta terça, 16, 20 h.

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