Dudamel é criticado por apoiar regime de Maduro

As superstars da música clássica internacional costumam voar em rotas bem acima da política, apoiados num idealismo vago o suficiente para lhes assegurar o poder musical, qualquer que seja o poderoso de plantão. Ultimamente, no entanto, alguns têm experimentado o desconforto de viver sob pressão. Primeiro foi o calvário do maestro russo Valery Gergiev, apadrinhado de Vladimir Putin, com direito até a vaias em concerto recente. Ele, nadando há décadas no aplauso geral, de repente viu-se obrigado a responder por que apoia e se concorda com as teses homofóbicas do governo russo. Ficou, digamos, sem palavras. Submergiu, está na encolha. Compreensível.

É uma real sinuca de bico. Agora, o alvo é o mais reluzente protótipo da música clássica no mundo, o venezuelano Gustavo Dudamel, 33 anos, há cinco titular da prestigiada Filarmônica de Los Angeles e salário anual de US$ 1 milhão. O menino de ouro da regência, ungido primeiro por Claudio Abbado como o novo “ângelus” da música, vem encantando as plateias seletas do Disney Concert Hall de Los Angeles, onde espremem-se estrelas do porte de Denzel Washington. Mas é fundamentalmente garoto-propaganda de El Sistema, o projeto de educação musical formulado 39 anos atrás pelo maestro Abreu, hoje replicado em muitos países, inclusive no Brasil. Para se ter uma ideia, quando Chávez morreu, em 2013, voou de Los Angeles para Caracas só para reger no funeral.

Capa da edição deste mês da BBC Music Magazine, Dudamel declarou que “o que de fato importa é melhorar a sociedade por meio da música”. O nirvana foi interrompido por sua conterrânea igualmente talentosa, a pianista Gabriela Montero, de 43 anos. Ela escreveu-lhe uma carta aberta em seu facebook, censurando-o por reger um concerto em Caracas no mesmo dia 13 passado em que três estudantes foram mortos numa manifestação contra o presidente Nicolas Maduro.

Gabriela, apadrinhada de Martha Argerich, a argentina que é a grande dama do piano mundial, foi dura com Dudamel, que costuma enrolar-se na bandeira da Venezuela ao final dos concertos mundo afora com a Orquestra Jovem Simon Bolívar: “Chegou a hora de, como artista, venezuelana, mulher e mãe, escrever uma carta a José Antonio Abreu e Gustavo Dudamel. Ontem (dia 13), enquanto dezenas de milhares de manifestantes pacíficos expressavam sua frustração, dor e desespero com a situação de caos cívico, moral, econômico e humano da Venezuela, e enquanto as milícias armadas governamentais, a Guarda Nacional e a polícia atacaram, mataram, feriram, prenderam e eliminaram várias vítimas inocentes, Gustavo Dudamel e Christian Vazquez regeram a orquestra num concerto celebrando o Dia da Juventude e os 39 anos do Sistema. Tocaram enquanto seu povo era massacrado”.

Enfurecida, Gabriela conclui que “não há mais lugar para desculpas, não mais ‘artistas estão acima de tudo’, não mais ‘fazemos isso pelas crianças'”.

A resposta suficientemente vaga mas idealista de Dudamel foi imediata: “O que nosso Sistema representa são os valores de Paz, Amor e União. Doze de fevereiro é especial porque foi neste dia que nasceu um projeto que se converteu em emblema e bandeira de nosso país no mundo. Comemoramos pela juventude, comemoramos o futuro, comemoramos a irmandade. Nossa música constitui a linguagem universal de paz, por isso lamentamos os fatos acontecidos ontem. Com nossa música e nossos instrumentos nas mãos, dizemos um rotundo não à violência e um sim contundente para a paz”.

Vale a pena atrair a ira de Maduro em relação a um projeto como El Sistema por causa de uma declaração mais contundente? Gabriela considera que sim, respondendo a alguns dos internautas pró e contra que fizeram um tiroteio formidável em seu face: “Asseguro a vocês que, sem um país, não haverá nada, nem El Sistema”.

Além das palavras, a pianista também compôs um poema sinfônico para piano e orquestra intitulado Ex-Patria: o vídeo está no youtube e registra suas declarações prévias à execução, no dia 15 de junho de 2012 no Festival de Lugano, evento comandado por Argerich. A obra parece ter sido coescrita por Franz Liszt. É século 19 puro. Como música, é descartável. Vale só como arma de propaganda política. A maior virtude da polêmica Gabriela-Dudamel é que eles não se esconderam, como Gergiev, e assumiram seus pontos de vista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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