A profissão fez com que Dib Carneiro Neto se tornasse um espectador privilegiado do teatro infantil de São Paulo nos últimos 20 anos. Como repórter e editor do Caderno 2, do Estado, Dib viu o teatro feito para crianças se transformar. “Havia muito oportunismo. Qualquer um pegava uma fantasia, decorava um texto, apresentava para as crianças e achava que estava fazendo teatro infantil. O avanço foi muito grande. Hoje, há menos didatismo e mudou o jeito de abordar a criança. A qualidade dos atores, do texto, das produções, tudo melhorou”, conta Carneiro Neto, que lança nesta quarta-feira, 23, o livro Já Somos Grandes (editora Giostri), na Livraria da Vila, unidade Jardins.

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No livro, ele reúne textos de debates dos quais participou recentemente, com discussões sobre as tendências do teatro para crianças e o papel do humor nas montagens; uma retrospectiva de 2001 a 2012 com as principais temporadas apresentadas no período; e uma série de entrevistas e de críticas publicadas no Estado e na coluna semanal que mantém atualmente no site da revista Crescer. A ideia, afirma Carneiro Neto, é dar ao leitor “um panorama de temas, linguagem, estéticas e fantasias que ocupam os palcos no século 21”. Por fim, o jornalista, membro da comissão de teatro infantil da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), traz um capítulo sobre os rumos do teatro.

A ideia de reunir tal material nasceu depois que Carneiro Neto publicou Pecinha É a Vovozinha (editora DBA), uma coletânea de críticas de teatro infantil. “Há carência de bibliografia na área, e é importante que as pessoas que fazem teatro tenham parâmetros para avançar, para melhorar”, afirma.

No livro, o jornalista e dramaturgo traz uma visão otimista sobre o teatro infantil. Logo no prefácio, apresenta um texto de Bárbara Heliodora, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil nos anos 60, em que ela chama a atenção para a falta de qualidade e de critério das peças infantis. Segundo ela, havia dois erros básicos: o da suposta pedagogia e o da exacerbação emocional gratuita. “(…) Ambos esquecidos de que o teatro é uma experiência artística, estética, uma experiência independente, autônoma, ligada ao que é definível especificamente como uma ação dramática”, diz Bárbara no texto.

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Para Carneio Neto, as premiações – entre elas o Prêmio Femsa de Teatro Infantil e Jovem e o da APCA -, a cobertura da imprensa e as leis de fomento foram fundamentais para o avanço do teatro infantil. “A transformação do mundo e da criança também modificaram o teatro. Hoje conseguimos tratar de temas que eram tabus”, conta. Ele cita ainda a vinda do Cirque du Soleil, a partir de 2006, como fato importante para o setor. “Espetáculos de altíssima qualidade também trouxeram novas referências, novas possibilidades.”

Com os incentivos e as novas referências, os grupos paulistas passaram a levar para os palcos textos mais bem apurados, a reunir atores mais qualificados e a investir mais nas produções. Além de trilhas sonoras originais, compostas especialmente para os espetáculos, as fichas técnicas de espetáculos agora trazem profissionais de desenho de luz, nome atual para a iluminação, e visagistas, responsáveis pela caracterização visual das personagens de forma mais ampla do que maquiagem.

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Outra boa constatação é a redução do didatismo nas peças infantis. “O teatro para crianças sempre esteve muito atrelado à questão educativa. Era peça para ensinar a escovar os dentes, peça sobre o dia do índio. A montagem tinha de ter uma lição de moral. Com o tempo, os grupos foram rompendo as barreiras, refletindo sobre a arte”, conta. Para o jornalista, a escola de uma forma geral ainda tem a visão de que, para levar o aluno ao teatro, é preciso que a peça possa ser “aproveitada” de alguma forma. “Como se o sonho e a imaginação não fossem importantes por si só.”

FUTURO

O tom do livro é otimista, mas Carneiro Neto diz que ainda há muito o que avançar. “Apesar do filão que se tornou o teatro para crianças, ainda há preconceito da própria classe artística. Muita gente acha que é uma forma de teatro mais descartável, mais consumista, que é preciso vender camiseta, fazer sorteio depois da peça”, explica o dramaturgo. Outro desafio é tratar de temas ainda tabus.

“Avançamos – hoje há peças que falam de morte, por exemplo, que era um tema difícil de ser tratado. Mas há barreiras para romper.”

Carneiro Neto também aponta como desafio o teatro para adolescentes, cuja produção é inconstante. “Há anos em que temos uma diversidade de peças e em outros elas já são raras”, conta. Para ele, isso ocorre porque a concorrência com outras formas de diversão, como a música e a internet, é muito grande nesta faixa etária. Os autores e produtores que aceitam o desafio, porém, têm as salas cheias. “Existe público. E quando o adolescente gosta de determinada peça, vai em bando, vira fã e assiste várias vezes a mesma montagem.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.