Del-Penho lança CDs com ajuda de site e dos amigos

Vivendo de música há 15 anos, tanto no sentido financeiro quanto espiritual, o compositor, violonista, cantor e ator Alfredo Del-Penho lutava havia dez para lançar seu primeiro CD instrumental. Havia sete vinha tentando também viabilizar outro, com sambas próprios e de autores que canta em shows na Lapa, que frequenta desde seu renascimento boêmio e cultural, no início deste século. Era edital atrás de edital, uma série de recusas. De gravadoras, ele ouvia comentários elogiosos, mas também cobranças de concessões.

“Diziam que eu poderia gravar cinco músicas que queria, mas teria que incluir no CD outras cinco que eles indicariam, mas que não me tocavam. Sugeriram que eu fosse ‘o novo Diogo Nogueira’. Mas eu não quero ser o Diogo, que, inclusive, é meu amigo”, afiança o músico, de 34 anos, que nasceu no interior do Rio, em São Fidélis, cresceu em Niterói e fez nome na Lapa e nos palcos de musicais, como Sassaricando, Ópera do Malandro e Gonzagão – a Lenda – os dois últimos, em cartaz.

Pra essa Gente Boa e Samba Sujo saem graças ao financiamento coletivo do site Benfeitoria. Mais de 700 pessoas colaboraram, entre elas artistas, fãs que o viram em rodas de samba e mesmo donos de gravadoras, num total de R$ 75 mil (outros R$ 50 mil vieram do próprio bolso). Foram compradas antecipadamente 2.100 cópias.

“Essa é uma maneira de você se conectar com quem gosta do seu trabalho. Teve gente que gravou o CD e depois doou o cachê. Quando eu vi que o Chico Buarque tinha contribuído, fui para o banheiro chorar. É como se você entrasse no estúdio com 700 pessoas te levando no colo”, emociona-se Del-Penho, que escreveu mensagens nominais para nove mil pessoas, pelo Facebook e por e-mail.

A decisão de gravar e lançar os dois produtos juntos foi para reduzir os custos – se fossem feitos separadamente, custariam R$ 70 mil cada um. O disco instrumental foi concebido primeiro, e se originou do desejo de falar musicalmente dos afetos que o samba lhe acrescentou. Traz homenagens a ídolos como João Bosco, Paulinho da Viola e Moacir Santos, e companheiros de noite, como o acordeonista Marcelo Caldi e o percussionista Paulino Dias, que tocam no CD.

Samba Sujo – título que alude às relações pessoais, à “sujeira” que uma pessoa deixa ao se conectar com a outra, em oposição ao ambiente asséptico dos estúdios de gravação – traz cinco composições próprias, sozinho ou com Délcio Carvalho (o parceiro de Dona Ivone Lara) e Rodrigo Alzuguir. A maioria Del-Penho já tocou em alguma das casas que o receberam na Lapa, como o Clube dos Democráticos, o Rio Scenarium, o Carioca da Gema e o Semente (onde Chico Buarque deu canja com ele e Moyseis Marques).

O malemolente trava-língua Samba com Dengo (Angela Suarez/Paulo César Pinheiro) abre o CD, que traz o samba de cunho social, o samba de breque, a crônica. A única música mais conhecida é Além do Espelho (João Nogueira/Paulo César Pinheiro). A saudade de uma ex-namorada é derramada em duas faixas, Quando te Esqueci (“Já posso dizer: hoje eu te esqueci/ Depois de tanto tempo até que enfim consegui/ Quer dizer/ Tirando de manhã quando acordei/ Mas não tinha como não lembrar”) e Ponto Final, essa já sem a “poeira de nós dois”.

Del-Penho tinha outras composições próprias (são mais de 100 guardadas), mas idealizara um CD de intérprete. “Queria contemplar todas as possibilidades do samba. O samba mudou a minha vida, me abriu um novo olhar para o mundo e as pessoas. O samba não se encerra no gênero, ele transforma tudo. Quando o Zé Keti diz ‘eu sou o samba’, ele não está sendo arrogante, ele está dizendo que ele é samba, que samba muda vidas”, considera o músico, que toca desde os 16 anos e largou três faculdades, de informática, de música e de teatro – a primeira, pela carreira artística, as duas outras, pelo desejo de aprender com as próprias pesquisas.

Entre as gravações e os preparativos das reestreias dos musicais no teatro – ambas estão no João Caetano, mesmo palco onde fará o lançamento dos CDs, nesta quarta-feira, 12 -, faz tempo que Del-Penho não dorme bem. Ele ainda assina a trilha inédita de um espetáculo de Marcia Zanelatto sobre a escritora alemã Hannah Arendt, que estreia dia 26 no Centro Cultural Banco do Brasil. Outros cinco CDs já estão sendo gestados, entre eles, a sequência de Samba Sujo.

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