Rodrigo Santoro com Gero Camilo:
“belos, gentis e inocentes”.

Cannes – A crítica a Carandiru publicada no Le Monde de quarta-feira é demolidora. Cabe a pergunta: é justa?

Para respondê-la talvez bastasse transcrever o primeiro parágrafo do texto assinado por Samuel Blumfeld: “Na prisão de Carandiru, em São Paulo, mais precisamente em seu pavilhão de alta segurança, teatro principal do filme, onde em princípio são acomodados os mais perigosos criminosos do País, os prisioneiros são belos, inteligentes, gentis e na maior parte das vezes inocentes”. Que filme ele viu? Babenco pode ser acusado de tudo, menos de glamourizar personagens. O único rosto bonitinho do elenco é o de Rodrigo Santoro, na pele de um travesti. Mas, passemos.

Logo adiante, Blumfeld se espanta de que a prisão “pareça regida por uma moral, respeito pelo próximo e regras seguidas à risca”. Bem, a observação remete ao próprio livro de Drauzio Varella, que foi à prisão esperando encontrar o caos e comprovou a existência de um universo hierarquizado e disciplinado por um rígido código de conduta não-escrito. Esse código existe por que os homens são bonzinhos? Não: a própria situação de confinamento, em situação precária, torna algum tipo de ordem imprescindível. Organizam-se, à maneira deles, para sobreviver. Ninguém olha para a mulher dos outros nos dias de visita, dívidas têm de ser pagas para evitar conflitos, não se toleram estupradores, a palavra empenhada vale etc. Código de cadeia.

Finalmente, Blumfeld admite que o filme deve ter alguma coisa a oferecer, dado seu sucesso no Brasil. Mas, na Europa, fora de contexto, não diria nada ao espectador, o que também é discutível. Até aqui, o crítico alinhou apenas argumentos de ordem extracinematográfica, receita infalível para um péssimo texto sobre cinema. Apenas no final se queixa da indefinição estética (direção estilizada? naturalista? surrealista?), este sim um argumento a se levar em conta.

Mérito

A crítica do Libération, breve e também demolidora, tem pelo menos o mérito de discutir cinema. Diz que Carandiru alinha clichês pífios e gags de telenovela, e os atores parecem pesados como chumbo em comparação aos de Cidade de Deus. A fotografia seria “hedionda”. Ainda comparando ao filme de Fernando Meirelles, o Libé diz que “Carandiru tem ar antiquado de realismo socialista”.

Já na americana Hollywood Reporter, Kirk Honeycutt saúda “a volta triunfante de Babenco com Carandiru, conto de esperança e sobrevivência na famosa e superlotada prisão de São Paulo”. A Variety, bíblia do cinema industrial dos EUA, em matéria de Deborah Young, diz que “Carandiru é um soco no estômago do espectador, nem tanto pelas cenas de violência, mas pelo retrato que faz dos prisioneiros como seres humanos, emocionantes e vitais”. Quer dizer, há opinião para todos os gostos e a do Le Monde é apenas uma delas.

Onde Carandiru vai mal, mesmo, e de maneira consistente, é nas tabelas de cotações publicadas por duas revistas que circulam no festival, a Screen e a Le Film Français. Na primeira, só está na frente do francês Tiresia, do japonês Bright Future e do imbatível The Brown Bunny, do americano Vincent Gallo. Na segunda aparece em último lugar, com dez bolas pretas em um total de 15 votantes.

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