Aconteceu em Tânger, cidade cosmopolita, no final dos anos 1950. Dois adolescentes, Ali e Mamed, conhecem-se no Liceu Francês, passam a andar juntos e se tornam amigos. Durante quase trinta anos, essa relação será afetada por mal-entendidos, duras provações sofridas juntos, ciúme disfarçado e traição. Essa amizade arrebatadora quase chega a se assemelhar a uma história de amor de final infeliz. No entanto, no romance O Último Amigo, do marroquino Tahar Ben Jelloun – nome cotado para o Prêmio Nobel de Literatura -, os personagens, de forma quase antagônica, dão a sua versão dos fatos. Constata-se que eles não viveram a mesma história. A ingenuidade de um tem como contrapartida o egoísmo perverso e destruidor do outro. A amizade, em si, seria um mal-entendido? É fascinante acompanhar Tahar Ben Jelloun neste romance ao mesmo tempo tão local e tão universal.

continua após a publicidade

Amigos desde a infância, Ali e Mamed passaram juntos todas as fases de descobertas da adolescência, da liberdade, da política e do sexo. Cresceram juntos, discutindo tudo – Mamed, totalmente visceral, beirando o cruel, e Ali, totalmente ponderado, beirando a ingenuidade. Porém, amigos. De uma amizade que jamais teria motivos para se desfazer, para se destruir de um momento para o outro, sem qualquer justificativa ou explicação.

Sentimentos de inveja, ciúmes e traição pairavam acima da lealdade e da confiança. Amor e ódio. Seria, contudo, apenas uma impressão?

Tendo como pano de fundo o Marrocos, mais especificamente Tânger, com seus costumes rígidos, suas mazelas políticas, toda a sua beleza inebriante, este romance remete a um problema universal: o da amizade entre dois homens que se conhecem desde criança e vivem juntos os ritos de passagem à idade adulta, com todos os percalços, sofrimentos e alegrias dessa convivência. Faz-nos lembrar, em versão árabe, O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, o romance ícone da entrada de um adolescente no mundo adulto.

continua após a publicidade

Escrito em estilo direto e claro, O Último Amigo é também um retrato cruel do Marrocos dos anos de repressão e das desilusões que se seguiram. Além dessa paisagem humana e política, e até a reviravolta final, O Último Amigo deixa entrever uma sociedade complexa e contraditória, arcaica e moderna. Mesmo quando se é exilado do Marrocos, volta-se lá para morrer.

Tahar Ben Jelloun constrói sua narrativa de modo brilhante e original, indo de um personagem a outro, permitindo que cada um relate a sua visão dos mesmos fatos, num círculo que vai se fechando e no qual o leitor se sente completamente no centro da trama. Seu estilo é transparente, mas o que ele nos mostra em O Último Amigo é um conflito extremamente complexo. Impossível largar o livro antes que o círculo se feche… sobre nós.

continua após a publicidade

Sobre o autor

Tahar Ben Jelloun, escritor marroquino de língua francesa, nasceu em 1944. Já publicou diversos romances, ensaios, antologias de poemas, relatos e peças de teatro. Ganhou o Prêmio Goncourt de 1987 pelo livro La Nuit Sacré (A Noite Sagrada). Tahar Ben Jelloun é um humanista, crítico das injustiças sociais e um apaixonado pela sua terra natal.

Serviço
Livro: O Último Amigo
Lançamento: abril de 2006
Tradução: Maria Ângela Vilela
Preço: R$ 22,00