Coração pára o cérebro do punk rock

Celebrar um quarto de século de existência trouxe conseqüências trágicas para o punk. Depois de perder seu coração e sua alma com as respectivas mortes de Joey e Dee Dee Ramone, o subgênero mais longevo e cultuado do rock?n?roll agora se vê sem seu cérebro. Morreu neste domingo, aos 50 anos, Joe Strummer, guitarrista e vocalista do Clash, um dos expoentes da música britânica da segunda metade dos anos 70.

Strummer entrou para a história ao liderar um dos vértices do triângulo mágico do punk rock, ao lado de Ramones e Sex Pistols. Em apenas cinco discos, lançados no intervalo de cinco anos (entre 1977 e 1982), o Clash deixou o underground para conviver com a popularidade de massa.

O grupo – que Strummer integrou ao lado de Mick Jones (guitarra/vocais), Paul Simonon (baixo) e os bateristas Topper Headon e Terry Chimes – quebrou as regras do movimento, aceitando desenvolver carreira fonográfica em uma gravadora corporativista (a Epic, hoje um selo pertencente à Sony).

Por isso mesmo, emplacou sucessos nas paradas americanas, como London Calling, Train In Vain, Rock The Casbah e Should I Stay Or Should I Go?. A banda também foi a maior responsável pela aproximação das guitarras e vocais furiosos do punk com ritmos dançantes como o reggae e o hip hop.

Filho de diplomatas britânicos, John Graham Mellor nasceu na cidade de Ankara, na Turquia, em 21 de agosto de 1952. Ao contrário de seus colegas de banda, sempre estudou nas melhores escolas. Em 1976, ao aceitar o convite de Simonon e Jones para deixar uma banda de pub (o 101ers) e cantar no Clash, somou à visceralidade e fúria do movimento qualidades como articulação, sofisticação, letramento e inteligência.

Em uma Inglaterra imersa em grande crise sócio-econômica em meados dos anos 70, o alto teor de questionamentos trazidos pelos versos de Strummer – sempre bem construídos -caíram como uma bomba no universo musical britânico. O nome da banda, por sinal, foi tirado de uma manchete de jornal que falava sobre um confronto entre a população negra dos subúrbios pobres de Londres contra a tropa de choque da polícia.

Toda esta veia altamente provocativa explica em parte o porquê da banda sempre ter sido de certa forma renegada pelo público de seu próprio país. Com a estrutura de uma grande gravadora americana e longe do conservadorismo extremo de seu país, o Clash sempre encontrou maior aceitação no mercado dos Estados Unidos, por onde excursionava com freqüência e colocava singles nas paradas de sucesso.

Já no primeiro álbum (The Clash, 1977), o Clash se diferenciava dos outros grupos punks. A regravação de Police And Thieves abria a brecha para os muitos flertes com o reggae que viriam a dar o tom na banda até o lançamento do terceiro trabalho, London Calling (1979), tido por muitos como um dos vinte álbuns mais importantes de toda a história do rock. Além das letras que incitavam os fracos, oprimidos e losers a provocarem uma revolução, a influência da música caribenha (a Inglaterra sempre teve uma grande população com raízes em suas ex-colônias nesta região) ficou mais evidente em faixas como Guns Of Brixton e Rudie Can?t Fail.

Logo depois, o grupo incorporaria os grooves de outros guetos e traria para a Inglaterra o balanço do hip hop nova-iorquino no álbum triplo Sandinista (1980) e no posterior Combat Rock (1982). Em 1983, o Clash fez seu último show com seus integrantes clássicos. Strummer chegou a lançar um álbum com formação e sonoridades completamente reformuladas (Cut The Crap, 1985), mas não houve muita repercussão, o que encerrou de vez as atividades da banda. Em seguida, flertou com o cinema, como ator e autor de trilhas sonoras. Nos últimos anos liderava o Joe Strummer & The Mescaleros, grupo com o qual lançou dois álbuns e voltava a se aproximar dos ritmos caribenhos.

Segundo o amigo Don Letts (cineasta que acompanhou e registrou em imagens todos os passos do Clash), Strummer sofreu um ataque do coração. O resultado da necropsia, entretanto, não havia sido revelado ate o fechamento desta edição. Com a morte do vocalista, acaba também o sonho de rever a formação clássica do Clash – o que, segundo insistentes rumores, estava bem próximo de se tornar realidade.

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