Convescote lusitano

São Paulo – Havia terça à noite, entre 300 e 500 pessoas tentando assistir ao Café Filosófico com o escritor português José Saramago no Conjunto Nacional, em São Paulo. De um certo ponto de vista, foi assim o happening: Saramago chegou, amarrou os cadarços do sapato preto de sola de borracha e foi apresentado, como se precisasse.

Antes que falasse, apareceu a editora da Manati – que publicou um livro de entrevistas com o Nobel realizadas por Juan Arias. Falou palavras doces, depois de, algo desesperada, ter sido dura com jornalistas que só tinham o chão para sentar. Era observada pela assessora de imprensa, por uma estudante e uma professora, entre tantas pernas.

Bom, mas o fato é que Saramago falou. Depois de se sentir “despido” simbolicamente por Arias, que leu, à revelia, uma carta da sua mulher Pilar, começou falando em espanhol (“¿Porque estoy hablando en castellano?”) e recomeçou, na “língua de Camões e Machado de Assis”, arrancando os primeiros aplausos.

Saramago falou muito e com muitos e naturais rodeios. Em síntese, disse: 1) que é fácil ser profeta, basta predizer o pior, porque o pior tem acontecido; 2) que seu próximo livro, Ensaio Sobre a Lucidez, debaterá a democracia; 3) que não votamos para a presidência das empresas que mandam no mundo; 4) que não há democracia nem nos EUA nem em Cuba; 5) que não acha correto usar sua crítica ao regime de Fidel para cobrar de Lula ou de outra pessoa posição semelhante; 6) que não mudou em nada sua condenação às execuções que o levaram a romper com o regime de Cuba, mas não com quem vive na ilha; 7) que a literatura não pode mudar o mundo; 8) que capitalismo e democracia são incompatíveis.

De imprevisto, apenas, uma pergunta sobre Almada Negreiros, de uma garota que se levantou, mais ao fundo. Saramago falou que Negreiros fez a segunda revolução que modernizou o português de Portugal (a primeiro foi de Almeida Garret). Ela lamentou que quase não se fala de Negreiros no Brasil, e Saramago concordou, arrancando mais risos, inclusive da garota: “Suponho que não se fale, a não ser por um especialista ou uma personagem como você, que insolitamente se levanta para lembrá-lo aqui, no meio de tanta gente”.

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