Companhia teatral ‘Os Fofos Encenam’ decide tirar máscara de espetáculo

Durante o debate acalorado que ocorreu na noite de terça-feira, 12, na sede do instituto Itaú Cultural, o diretor da companhia Os Fofos Encenam, Fernando Neves, pediu desculpas por usar uma técnica que remete ao blackface, pintando de preto o resto de um ator que interpreta um personagem negro.

O recurso era usado no espetáculo A Mulher do Trem, que seria apresentado na mesma terça-feira, mas, após despertar manifestações intensas do movimento negro, foi substituído pela mesa Arte e Sociedade: A Representação do Negro. A montagem deve sofrer alterações e, por isso, não deve ter apresentações nos próximos dias.

“A peça não tem nada a ver com blackface”, disse Neves. “O circo não foi feito para ridicularizar, mas para divertir. A máscara vai sair de cena”, completou, em uma fala emocionada, pedindo desculpas a quem tenha se sentido ofendido e sendo muito aplaudido pela plateia.

Além de Neves, a mesa foi composta pelo dramaturgo Aimar Labaki, pelos professores Mario Bolognese, Salloma Salomão e Dennis Oliveira, pela atriz Roberta Estrela D’Alva e pela estudante e ativista do movimento negro Stephanie Ribeiro, que iniciou as manifestações nas redes sociais. A mediação foi feita por Eugenio Lima, DJ e integrante do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos.

O evento lotou o teatro do Itaú Cultural, que abriu espaço para acomodar o público também na Sala Vermelha, que assistiu à mesa por um telão. A discussão também foi transmitida pela internet. Bem mesclado entre brancos e negros, o público tinha grandes nomes da classe teatral paulistana, como o diretor Zé Henrique de Paula, o líder do Movimento dos Teatros Independentes Augusto Marin, os atores Pascoal da Conceição, Ailton Graça, Leopoldo Pacheco e integrantes do Grupo XIX de Teatro.

Com três horas de duração, a discussão extrapolou o imbróglio da técnica empregada em A Mulher do Trem e foi ampliada para o racismo no Brasil e a forma de representação do negro na dramaturgia brasileira. Diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron abriu o evento afirmando que aquele era um momento histórico para o ativismo negro no País. Ele anunciou que, após o ocorrido, o instituto decidiu fazer uma série de reflexões sobre a temática, o que culminará em um seminário internacional sobre o assunto, que deve ocorrer no Auditório Ibirapuera em novembro, mês da consciência negra.

Apesar de Neves ter pedido desculpas e suspendido a máscara da encenação, parte da discussão girou em torno da questão de o recurso ser considerado blackface ou não. O diretor d’Os Fofos disse que o uso da máscara vinha da arte circense e era aplicado em todos os personagens: negros e brancos. Ele foi endossado por Bolognese, que deu um contexto histórico do circo, afirmando seu caráter abolicionista.

Stephanie, por sua vez, defendeu que se tratava, sim, de blackface, destacando que quem deve pautar isso é o negro, e não o branco. Eugenio Lima fez coro à ideia em um dos pontos altos do debate, quando, após ouvir perguntas da plateia, fez questão de sair da posição de mediador e dar sua opinião. Para ele, mesmo que racismo não tenha sido a intenção d’Os Fofos, a técnica empregada foi construída em cima de um ideário racista.

Sobre os questionamentos de que estaria censurando o espetáculo, Stephanie se defendeu. “São anos (que o negro está) sem voz. Essa manifestação não é censura, é pautar o que ninguém pautou.” A ativista disse ser necessário desconstruir a ideia de que a pele branca é a pele natural. “A questão não é esta peça, mas a visão dos brancos sobre nós.”

Voltar ao topo