Bastou uma pequena recomendação no site de uma das empresas estatais para que fosse provocada, em cadeia, uma grita geral. A recomendação é para que as novas produções de audiovisuais que vierem a receber patrocínio do governo, a título de incentivo fiscal, coloquem em sua programação (de exibição, diga-se) um componente social. Os senhores do cinema nacional, bem instalados em apartamentos na Barra ou no Leblon, despejaram sua costumeira arrogância em aparições nos programas de tevês afora. Boa essa discussão, boa mesmo! É hora de colocar um refletor sobre essas produções e seus produtores e analisar o custo benefício do dinheiro público despejado, ao longo dos últimos anos, nas referidas produções. Agora é pra valer. É hora de ver quem tem garrafa para vender. O dinheiro destinado para os monumentais filmes até o ano passado é o mesmo que falta no Ministério da Cultura para comprar lâmpadas, espantar os cupins das salas e teatros (patrimônio da União). E pior, é o dinheiro que falta para pagar os artistas que, de fato, interpretam o Brasil. É o mesmo dinheiro que falta para comprar ou alugar equipamentos de som para dar vazão à infinita produção artístico-musical dos últimos tempos. É o mesmo dinheiro que falta às tevês Comunitárias, espalhadas pelo País. É o mesmo dinheiro que falta para uma política séria e conseqüente no teatro brasileiro e outros setores das artes brasileiras. Ouso falar apenas do que sei e conheço, mas deixo a palavra aos demais segmentos para que soltem o verbo.

Curiosa a argumentação de que estaria havendo “dirigismo político” nessa recomendação que apareceu no site da Eletrobrás, ao que parece. O senhor Luiz Carlos Barreto não é a pessoa certa para criticar o dirigismo ideológico, pois foi ele mesmo quem começou com essa história, nos tempos da Embrafilme, durante a ditadura militar. A lei que dá sustentação à farra do patrocínio via incentivo fiscal teve origem, em 1985, com a milagrosa lei que levou o nome do atual presidente do Congresso Nacional que, por certo, não faz referências deste episódio em seu currículo. O resultado está aí – um país aonde se mistura Biafra e a Bélgica, com a ostentação dos shoppings centers e o sangue que escorre todo início de noite, em ao menos três redes de tevês, na encarniçada briga pela audiência.

Apesar da arrogância desses produtores de serem o sustentáculo da cultura nacional, esquecem de uma frase charmosa e definitiva de um poeta e compositor, sempre prestigiado nos seus filmes. A frase, dita em 1968, foi: “Vocês não entenderam nada”. Não entenderam que a realidade brasileira não tem o glamour como fazem crer os departamentos de turismo dos estados nordestinos. Por outro lado, também não é correto que se faça uma leitura esdrúxula da expressão de Nelson Rodrigues – “a vida como ela é”, como vem ocorrendo com os programas comandados por José Luiz Datena, Márcio Rezende e pelo policial e apresentador esportivo, Milton Neves, como citei acima. O pós-guerra 2003 exige criatividade para interpretar o desejo de participação da maioria do povo excluído. Fui assistir Carandiru, num cinema popular da avenida Ipiranga, e sentei numa cadeira com acento rasgado e em certo momento um rato percorreu toda a arandela do proscênio, em direção ao seu esconderijo. Muita gente não viu e se viu está acostumada com a sua indesejável presença, no local onde reside. Esta é a realidade nua e crua e sem nenhum glamour, é claro. E os bravos diretores e produtores de cinema que vieram a público protestar, não entenderam ainda o que está acontecendo com o Brasil, pior, com o mundo.

Para dar um tom progressista e politicamente correto alegam que quem faz política cultural é o Ministério das Comunicações e não o da Cultura. Que Blefe! Que pandega, bufões!

A discussão apenas começou, outras mais acaloradas ainda virão. Preparem-se.

Jair Alves é dramaturgo.

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