Como as novelas abordam alguns dos aspectos da modernidade

Avanços da vida moderna, como telefone celular e internet, sem dúvida facilitam a vida das pessoas. Para os autores de novela, no entanto, lidar com esses recursos exige um certo malabarismo, ao mesmo tempo que proporciona maiores possibilidades de tramas nas histórias contemporâneas.

O recurso que mais complica a vida dos autores é o telefone celular. É unânime a conclusão de que justificar o uso ou a falta de uso dele não compensa as diversas situações que podem ser criadas. Ricardo Linhares, que integra a equipe de autores de Celebridade, novela de Gilberto Braga, se refere ao celular como “uma chatice”. Com a existência dele, ficou mais difícil justificar eventuais desencontros entre os personagens. “Tem de ficar explicando que o celular estava sem bateria ou que a pessoa esqueceu de levar. E como hoje em dia pessoas de todas as classes sociais têm, não dá para fugir”, constata. Ricardo Hofstetter, autor de Malhação, é outro que reclama do celular. Ele acredita que o fato de o personagem ter um aparelho pode até derrubar toda idéia de uma cena. “Brinco dizendo que na hora de fazer a sinopse já tem de definir se o sujeito tem ou não celular. Usá-lo só quando é conveniente fica falso”, explica.

Enquanto o celular atrapalha a vida dos autores na maioria dos casos, o exame de DNA vem rendendo muitas histórias. Tanto que em Celebridade, Da Cor do Pecado e Malhação, as novelas contemporâneas da Globo, o recurso está sendo usado. Na primeira, Maria Clara, personagem de Malu Mader, fez o teste para saber se era filha de Lineu, de Hugo Carvana. Um dos mistérios da novela, inclusive, é uma possível alteração no resultado. Em Da Cor do Pecado, o DNA teve maiores proporções com o fato de Bárbara, a vilã vivida por Giovanna Antonelli, ter conseguido mudar o resultado do teste feito em Raí e Afonso, personagens de Sérgio Malheiros e Lima Duarte. E brevemente em Malhação, Pasqualete, o diretor do colégio Múltipla Escolha interpretado por Nuno Leal Maia, vai querer se submeter ao exame para saber se é pai de um aluno. “O DNA agora faz parte dos recursos que o novelista emprega para o tema eterno dos filhos e pais que não sabem do parentesco. As novelas evoluem, mas ao mesmo tempo continuam as mesmas”, acredita Antônio Calmon, que está escrevendo Romance, próxima novela das sete da Globo.

Plástica e comportamento

Em outra novela contemporânea no ar, Metamorphoses, da Record, o mote central é a cirurgia plástica. Além das tradicionais, como implante de silicone e lipoaspiração, a trama retratou um ousado transplante de face. Depois de um acidente de carro, Lia, personagem de Vanessa Lóes, “cedeu” o rosto a Circe, que antes da metamorfose era vivida por Lígia Cortez. “Novas tecnologias servem para ser usadas como elementos de conflito”, afirma Arlete Siaretta, autora do argumento da novela.

Junto com as inovações tecnológicas, entram as mudanças de comportamento. As heroínas das novelas atuais pensam e agem de forma bem diferente de anos atrás. Maria Clara, de Celebridade, por exemplo, mantém eventuais relações sexuais com Hugo, personagem de Henri Castelli, mesmo sendo apaixonada por Fernando, de Marcos Palmeira. Também distante do perfil romântico habitual está a heroína criada por Walcyr Carrasco para Chocolate com Pimenta. Ana Francisca, vivida por Mariana Ximenes, transou antes do casamento e tem atitudes pouco comuns em mocinhas tradicionais, como se vingar sem dó nem piedade de quem a maltratou. O autor, no entanto, não acha que fugiu do padrão ao criar o perfil um tanto avançadinho para a década de 20, em que a trama se passa. “Os anos 20 são conhecidos pela liberação sexual, pelo avanço das conquistas femininas”, defende.

Uma questão de adaptação

# Em Celebridade, Beatriz, personagem de Deborah Evelyn, recebeu ameaças por e-mail e não por bilhetes como em outros tempos.

# Ecila Pedroso, autora das adaptações dos textos mexicanos produzidos pelo SBT, conta que em Seus Olhos, próxima novela da emissora, vai usar muito mais situações do mundo moderno do que nas anteriores. “Dessa vez conseguimos ter liberdade de usar apenas o mote central da história original. Vou inserir temas atuais como o drama dos jogadores compulsivos e a preocupação excessiva com o corpo”, adianta.

# Na minissérie A Casa das Sete Mulheres, que escreveu em parceria com Maria Adelaide Amaral, Walter Negrão criou um personagem para substituir o telefone. Era Chico Mascate, vivido por José Victor Castiel, que levava os recados de todos os personagens. “Ele não existia no livro que baseou a trama, mas o inventei para possibilitar a comunicação entre os personagens. Tive de criar o meu celular”, compara fazendo analogia.

Fazendo como antigamente

Enquanto a novela contemporânea dá ao autor um maior leque de possibilidades, a de época, de uma certa forma, limita. Mas é justo a ingenuidade e a nostalgia que fazem com que muitas tramas de época caiam no gosto do público. Walter Negrão afirma sem titubear que prefere escrever sobre o passado. “Já fiz mais contemporâneas, mas época é gostoso porque tem mais charme. Acho que agrada porque foge dos dias horríveis que vivemos e do liberalismo sexual”, acredita o autor, que está preparando a sinopse da novela das seis que vai substituir o “remake” de Cabocla, na Globo. Por ironia, será atual.

O autor da versão original de Cabocla, exibida em 1979, Benedito Ruy Barbosa, é um especialista em época.”É legal ver como era o cotidiano de antigamente, quando se fazia o próprio pão e batia a manteiga. Hoje você vai ao supermercado e compra até uma mulher se quiser”, ironiza Benedito. Já Antônio Calmon gosta de outra praia. “Vivo repetindo que não faço novela de época, nem mesmo da minha própria época. O mundo de hoje é muito mais fascinante que qualquer passado. Fellini dizia que todo o filme de época era, na verdade, uma ficção científica”, radicaliza.

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