Com o freio solto para aproveitar a luz da Sol

tv41.jpgAté bem pouco tempo atrás, Caco Ciocler considerava seu personagem de América um desconhecido. A única informação que o ator de 33 anos tinha até a metade da novela era a de que Ed é um intelectual. Completamente perdido, ele resolveu fazer as cenas meio por ?instinto?. Só depois que a autora Glória Perez apimentou sua relação com a protagonista Sol, interpretada por Deborah Secco, ele foi entender o real sentido de seu personagem na trama. ?Demorei para perceber a tática da Glória. Ela mantém um freio em algumas histórias. Sinto agora que ela está soltando o meu freio?, ressalta. E Caco não esconde de ninguém ter gostado da virada de Ed, que antes quase não tinha história na novela.

Desde que seu personagem começou a ter contato com a deslumbrada imigrante ilegal, ele acredita que Ed ganhou mais vida e mais ?luz? na trama. O ator só se mostra um pouco incrédulo quanto a justificativa que a autora criou para aproximar de vez os dois personagens. ?Seria bem mais fácil se ele aceitasse o dinheiro da May. Que drama, né!??, desdenha.

Justamente por não compreender os motivos de Ed, Caco teve algumas dificuldades na hora da composição. Seu maior receio era transformar o personagem em um canalha, já que ele ao mesmo tempo diz gostar da vilã e se mostra seduzido pela mocinha da trama. ?A solução que encontrei foi a de deixá-lo encantado pela Sol inconscientemente?, explica.

Com um jeito tímido e contido que parece emprestado de Ed, Caco fala baixo e pausadamente sobre sua experiência em novelas. Quando iniciou a profissão de ator, não imaginava que um dia pudesse enveredar para tevê. Não por preconceito e, sim, por falta de interesse no veículo. Mas desde que debutou em O Rei do Gado, há nove anos, não se vê mais longe do vídeo. ?A tevê meu deu um ajuste fino de autoconhecimento. Aqui, posso me ver, ouvir minha voz e notar o meu jeito de andar. Por mais que eu ame o teatro, lá isso não é possível?, justifica Caco, que é um dos mais ativos atores do atual cinema nacional – nos últimos três anos, participou de 13 longas-metragens.

P – Por que você acha que Ed prefere aceitar dinheiro de uma imigrante desconhecida do que o da namorada?

R – Realmente, seria bem mais fácil se ele aceitasse o dinheiro da May de uma vez. Que drama, né!?. Isso mostra o lado obsessivo do Ed, que ao mesmo tempo preza pela justiça e bem-estar. Embora a situação seja um pouco surreal, o bom disso tudo é que trouxe uma grande transformação para o meu personagem. A Sol traz para o Ed a alegria, a espontaneidade, o solar, a latinidade mesmo. Acho interessante o encontro entre dois diferentes, que aprendem a gostar um do outro. Hoje em dia, vivemos numa coisa meio hipócrita de respeitar as diferenças. Isso é muito pouco. A gente só vai evoluir quando a diferença não for motivo de afastamento e respeito, mas sim de interesse. Por isso, de uma certa forma, gostei desse novo rumo que o meu personagem teve.

P – Mas você esperava por essas mudanças?

R – Não foi exatamente uma surpresa, porque estava previsto na sinopse. Mas como novela é uma obra aberta, nem sempre o que está escrito é cumprido. Então, eu não tinha certeza se esse romance entre o Ed e Sol iria deslanchar mesmo. Do começo até a metade da trama, o Ed teve muito pouca história. Tanto que eu nem sabia quem era ele até pouco tempo atrás. E só agora fui entender a tática da Glória Perez. Ela mantém o freio em algumas histórias, que pensamos que não vão dar em nada, e depois solta. Sinto agora que ela está soltando o meu freio. E é muito bom fazer um personagem que se transforma ao invés de passar a trama inteira fazendo uma coisa só.

P – O público pode até não achá-lo canalha, mas namorando a mocinha da trama fica difícil escapar do perfil de galã. Você tem alguma resistência a esses papéis?

R –  Não é que tenho resistência. Mas não me sinto na verdade um galã, no sentido clássico da palavra. Sei que a média de idade das minhas fãs é de 45 a 65 anos. Meu fã-clube é de senhoras, não de garotas. Acho que sou o genro que todas elas gostariam de ter. Não tenho perfil previsível de galã, mas até aceitaria fazer um ou outro. Cumpri essa função com o Bento de A Muralha, que foi bem legal. Mas o meu medo é de acabar fazendo só isso. Então, tento fugir um pouco desses papéis. Fico no meio-termo entre o que seria um galã e um ator. Os galãs, coitadinhos, geralmente têm papéis um pouco chatos. É difícil não emburrecer. O papel de galã priva você de fazer outras coisas. Isso me assusta. Não quero ficar engessado. Quero sempre fazer personagens diferentes. Posso até fazer mal, mas farei. Correr risco na minha profissão é fundamental.

P – Nesses nove anos de carreira na tevê, qual foi o seu maior aprendizado?

R – A tevê me deu um ajuste fino de autoconhecimento. No teatro, você não tem como se ver. E a televisão te dá isso. Pela primeira vez, pude me ver, ouvir minha voz, saber como ando e descobrir os meus vícios profissionais. Às vezes, eu queria fazer uma cena de um jeito e quando assistia tinha saído completamente diferente. Poder ter esse retorno é muito legal. Mas ao mesmo tempo confesso que entro em crise toda vez que me vejo. Tanto que algumas vezes nem assisto as minhas cenas para evitar o sofrimento. Sempre gostei mais de ver do que de ser visto. Sou mais ?voyeur? do que exibicionista…

Carreira feita com miscelânea de tipos

Por muito pouco, Caco Ciocler não desistiu da carreira artística. Sem o apoio dos pais, que queriam que o filho tivesse um diploma ?de verdade?, Caco resolveu cursar Engenharia Química na USP. Mas a falta de aptidão para a profissão era tanta que passava todas as aulas reparando nos trejeitos dos outros alunos e acabava tirando notas baixas na maioria das provas. Para piorar, entregava todos seus trabalhos feitos à mão, enquanto seus colegas de classe recorriam ao computador. ?Demorei para perceber que aquele não era o meu lugar. Tanto que só banquei a decisão de largar o curso no quarto ano?, lembra. Depois que estava certo de que realmente queria ser ator, Caco tratou de investir na área. O primeiro passo que tomou foi cursar a Escola Dramática da USP. Lá, aprendeu a atuar, dirigir e produzir. ?Precisava de um embasamento para engrenar minha carreira?, justifica.

 Desde que estreou em O Rei do Gado, onde deu vida ao italiano Geremias Berdinazzi na fase jovem, Caco contabiliza no seu currículo tipos diferentes de personagens. De lá para cá, já fez um rabino, espião, bandeirante, paranormal… Mas de todos seus trabalhos na tevê, o mais marcante é o efeminado príncipe Miguel de O Quinto dos Infernos. ?O mais interessante é que quando falo que fui eu quem o fiz, muita gente não acredita?, valoriza. Aliás, o principal objetivo de Caco é buscar a versatilidade em seus trabalhos. A sua única resistência em fazer tevê é de ficar rotulado e acabar ganhando os mesmos papéis. ?Não quero ficar engessado. Isso não é bom para carreira de nenhum ator?, avalia.

Bambambã da direção até levar uma porrada…

Caco Ciocler ficou assumidamente metido com a média de quatro filmes por ano. Nos últimos três anos, ele atuou em 13 longas. Na lista constam A Memória do Caroço de Abacate, de Lucas Amberg, Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanski, Avassaladoras, de Mara Mourão, Olga, de Jayme Monjardim, entre outros. Pela experiência e pelo fato de ser um dos artistas mais requisitados da atual fase do cinema brasileiro, o ator jurava dominar todos os processos que envolve a produção de um filme. Toda vez que ia gravar um longa, ele avaliava o desempenho dos diretores e pensava que podia fazer melhor. Mas esse egocentrismo foi por água abaixo quando foi dirigir o curta-metragem Carne, que retrata o dia-a-dia de um funcionário de churrascaria. ?Foi uma porrada. Só ali, fui entender o real funcionamento de algumas coisas. Na verdade, foi falta de maturidade da minha parte?, avalia.

 Apesar das agruras da direção, Caco descobriu que gosta mais de dirigir do que de atuar. Em nenhum momento, chegou a pensar em largar a atuação. Mas, hoje, já planeja outros projetos no cinema em que possa conduzir o trabalho de atores. ?Sempre gostei mais de ver do que de ser visto. Mesmo numa situação de ator, me coloco de fora para entender todo o contexto de uma cena?, explica.

 Ao ser instigado a fazer um balanço de todos seus trabalhos cinematográficos, Caco hesita em escolher um filme predileto. A única conclusão a que chega é a de que foi no longa Quase Dois Irmãos que teve a melhor atuação. ?Já tinha maturidade maior para fazer cinema. Eu sabia do meu espaço e do tempo que tinha para mim?, reflete.

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