Colônia Cecília: um projeto anarquista no Paraná

Em fins do século XIX, era bastante comum no sul do Brasil o sistema de colônias formadas por imigrantes europeus, dedicadas a atividades de ordem predominantemente agrícola. Dentre estas colônias, uma em especial, de nome “Cecília”, goza atualmente de relativa notoriedade. Embora de duração efêmera – foi fundada em 1890 e dissolvida em 1894 – ela tem sido objeto de inúmeras pesquisas acadêmicas no Brasil e exterior.

Idealizada por um militante anarquista italiano de nome Giovanni Rossi, a colônia Cecília constituiu-se na vivência prática de um ideal de liberdade. Como projeto, sua proposta era a de oferecer ao mundo uma prova da possibilidade de uma organização social onde a autoridade fosse inexistente. Desta forma, segundo Rossi, o discurso do movimento anarquista europeu se fortaleceria, pois o operariado seria seduzido pelo exemplo da colônia Cecília.

Rossi sempre se manifestou desejoso de criar uma pequena comunidade onde os ideais anarquistas fossem plenamente vividos. Enquanto membro da Associação Internacional dos Trabalhadores, propunha a fundação de uma colônia socialista na Polinésia. Tendo sido convidado a dirigir Citadella, um projeto cooperativista na Itália, Rossi viu-se frustrado em seus objetivos, pois os camponeses italianos com os quais trabalhou revelaram-se extremamente reacionários no que concernia à propriedade da terra. Convencido de que o fracasso de Citadella deveu-se, principalmente, à ausência de um ideal socialista entre os integrantes do projeto, Rossi moveu, então, uma campanha para a fundação de uma experiência anárquica na América. Motivado pela propaganda brasileira ao mercado de trabalho europeu, Rossi optou por fundar uma colônia no Brasil, e, em função das circunstâncias então encontradas, ele e um pequeno grupo de companheiros acabou se instalando no Paraná, no município de Palmeira.

De fato, o século XIX foi palco de uma imensa série de experimentos socialistas – comunidades utópicas -, que guardavam clara semelhança com os projetos comunitários de Rossi. Todas estas iniciativas tinham como marca a tentativa de auto-suficiência e a freqüente concentração de esforços na atividade agrícola. A colônia Cecília, nesse sentido, não foi exceção à regra.

Os anos vividos na colônia, de acordo com os registros de Rossi, foram muito difíceis. O fracasso das colheitas, a precariedade das condições de moradia, o isolamento em que viviam os habitantes da colônia, a dificuldade de muitos com relação à adaptação ao trabalho agrícola, tudo isto era motivo de desilusão para aqueles que haviam abandonado a Itália em favor de seus ideais.

Ao descontentamento causado pela ausência do conforto material, acrescentavam-se ainda os conflitos surgidos entre os próprios membros da colônia. Rossi tinha uma confiança muito grande na infinita capacidade de transformação do ser humano e por isso não havia uma seleção rigorosa dos elementos que integrariam a colônia Cecília. Ali se reuniram indistintamente pessoas de procedências diversas. Muitos vieram à colônia imbuídos de sinceros ideais anarquistas, mas outros viam na Cecília somente uma colônia de imigrantes italianos, igual a tantas outras que havia no Brasil. Para estes o projeto de Rossi não representava senão a oportunidade para fugir da crise que assolava a Itália na época. Os desentendimentos resultantes dessa situação, o choque de idéias e valores, constituíram um fator importante para o fim da colônia.

Após a dissolução da colônia Cecília, Rossi permaneceu no Brasil por ainda mais alguns anos, sem, entretanto, desempenhar atividades de militância anarquista. Ao deixar a colônia, em março de 1894, Rossi dirigiu-se a Taquari, no Rio Grande do Sul, onde passou a exercer a função de agrônomo. Mais tarde mudou-se para Santa Catarina, morando primeiramente perto de Blumenau, e dirigindo a estação agronômica de Rio dos Cedros. Em 1907 Giovanni Rossi decidiu retornar à Itália, onde permaneceu até sua morte, em 1942.

O fim da colônia Cecília, no entanto, não significou o fim do sonho de Rossi, que ainda mantinha vivo o desejo de criar núcleos experimentais de vida socialista. Sua ambição não era a de apontar o caminho, mas abrir perspectivas. Rossi afirmava que seu propósito não era incutir o seu desejo nas massas incultas, mas sim de fazê-las desejar, e a partir disso iniciar a construção da sociedade futura. Isto talvez explique porque a colônia Cecília, apesar de sua breve duração, ainda hoje exerce um imenso fascínio sobre os pesquisadores que sobre ela se debruçam.

José Antonio Vasconcelos

é doutor em História Social pela Unicamp, professor na Universidade Tuiuti do Paraná e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. E-mail:
historicismo@hotmail.com

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