Colateral é uma história poderosa, densa e ótima

Há uma história densa, forte, poderosa em Colateral, sobre um assassino profissional que invade o carro de um motorista de táxi e o arrasta para uma noite de violência sem par. O que o diretor Michael Mann quer dizer com isso o espectador percebe juntando os signos que ele espalha pela narrativa.

Por exemplo, para justificar o vidro estilhaçado, o motorista diz ao guarda que atropelou um veado. Inesperadamente, no meio da noite, um veado passa diante do carro, seguido por um lobo de olhos reluzentes. E existe a história do morto no trem. Logo no começo, para mostrar como Los Angeles é desconectada – a quinta maior economia do planeta é uma cidade desumana, na qual ninguém se preocupa com o outro -, Vincent, o assassino, conta sobre esse homem que morreu no trem e o corpo ficou o dia inteiro viajando. As pessoas sentavam-se ao lado dele e nem se davam conta de que estava morto. No fim de Colateral, há um morto no trem do metrô. Veja para saber quem é e por que (ou como) morreu.

Grande apreciador (e conhecedor) de cinema, Martin Scorsese foi o primeiro a perceber que algo estava se passando com a carreira de Michael Mann. O diretor que formatou (com Paul Michael Glaser) a série Miami Vice, fez filmes um tanto anódinos, mas Scorsese disse para os Cahiers du Cinéma que Fogo contra Fogo era um dos melhores (e talvez o melhor) filme hollywoodiano dos anos 1990. Esse novo Michael Mann confirma que é grande com Colateral, a mais importante estréia de hoje.

A imprensa, que quase sempre trabalha com simplificações, está fazendo um carnaval com o fato de o astro Tom Cruise interpretar o vilão da história. O vilão? Cruise faz o assassino mas se houve uma regra que Mann se impôs em Colateral foi a de não aceitar o tradicional maniqueísmo hollywoodiano. O assassino e o motorista de táxi estabelecem uma relação complexa como a do criminoso com o policial que o persegue em Fogo contra Fogo. Em nenhum momento representam o bem e o mal. O assassino é um profissional que exerce seu métier com método. Quando as coisas saem errado, ele improvisa.

Cria-se um jogo de projeção – de identificação e antagonismo. O taxista improvisa para salvar a própria vida (e a dos outros). O assassino, sem recuar, toma consciência do horror de sua condição. Parece um thriller normal. Mas o importante é a construção dos personagens, é o que muitas vezes fica subentendido sem ser dito, é a cinedramaturgia que faz do assassino e do taxista verdadeiros (e densos, fortes) personagens.

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