Cinema nacional analisa nuances de Copacabana

O primeiro filme de Marcos Bernstein, O Outro Lado da Rua, estréia hoje pelo Brasil afora. Fernanda Montenegro é a estrela principal, escolhida como a melhor atriz no Tribeca Festival de Nova York. Ela atua com o codinome Branca de Neve. Regina, sua personagem, presta serviços à polícia, denunciando anonimamente as irregularidades observadas tanto nas ruas de Copacabana como as que vê da janela de seu prédio, com o auxílio de um binóculo. Até ela acompanhar o que julga ser um assassinato, praticado pelo juiz Camargo (Raul Cortez).

É quase impossível não gostar do filme. Mas e daí? A impressão que fica é de um certo vazio depois desse exercício dramatúrgico interessante, bem fotografado, bem interpretado, mas ao qual falta uma certa intensidade e paixão.

Bernstein, que já fez a sua fama como co-roteirista de Central do Brasil, estréia na direção. Regina gosta de enfrentar o tédio vigiando os vizinhos. As coisas se complicam no dia em que ela vê o que supõe ser um assassinato, quando o juiz Camargo aplica uma injeção em uma mulher que depois aparece morta.

O entrecho é esse: Regina desconfiando de Camargo e apaixonando-se por ele. Este é o ponto onde o diretor quer realmente chegar e, então, diferencia-se das supostas fontes (as influências às vezes são muito difusas na consciência dos realizadores) e transforma o filme em relato sobre o amor na velhice, ou na terceira idade, se preferirem esse tipo de linguagem eufemística. Ou seja, resolve enfrentar o preconceito, típico de um país de jovens, segundo o qual se acredita que ninguém com mais de 40 anos sinta desejo e tenha necessidade de fazer sexo.

Raul Cortez e Fernanda Montenegro são dois monstros sagrados da dramaturgia brasileira e levam a situação com a grandeza e a delicadeza que deles se espera. Estão à vontade em cenas que deixariam outros embaraçados.

Fernanda adora esses personagens

P – Como foi seu envolvimento com o filme?

Fernanda Montenegro

-O Marcos (Bernstein) quis fazer um filme para mim. Ele poderia criar histórias de uma mãezona, mas preferiu uma mulher de uns 70 anos que, apesar da solidão, está inteira e talvez até se alimente dessa solidão. Regina não é burguesa, não tem formação acadêmica, vive com uma cachorra, com uma pia cheia de louça, uma casa de pernas para o ar. E o juiz Camargo é da classe dominante, academizado, vive dentro de uma estrutura, com um belo apartamento, tudo limpo. São duas solidões que se encontram.

P – O ritmo do filme também é importante.

Fernanda

– Sim, porque traz o tempo da observação. Um filme de gente que fica na janela observando a vida, com uma determinada finalidade. Mas, é um filme de observação, que vem do olhar, e o plano seqüência faz isso, não se apressa, está no tempo certo, o espectador tem tempo de ver.

P- Como você se preparou para o papel?

Fernanda

– Criei uma história para a Regina. Para mim, ela era funcionária pública, do Ministério da Justiça, no tempo em que o Rio ainda era a Capital Federal. Portanto, ela sabe o que é a lei e a corrupção da lei. Sabe também que juiz se vende, daí acreditar que Camargo mata a própria mulher.

P – E a velhice da Regina é diferente da de Patolina, interpretada por Laura Cardoso.

Fernanda

– A Patolina se entregou à velhice. Ela diz: você que é feliz, porque eu me vejo como eu sempre me vi. Aliás, esse é um belo detalhe do filme, os diálogos. Não há muitos e isso permite que tanto os personagens como o público possam pensar.

P – Houve muitos ensaios?

Fernanda

– Tivemos conversas durante um ano, não propriamente sobre o roteiro, que estava pronto, mas para falar de Copacabana, da velhice. O cinema tem algo misterioso: você pode ensaiar à vontade, mas na hora que ouve “ação”, surge a adrenalina, o ator levita e nem sabe que está passando o tempo.

P – E sua relação com Raul Cortez foi especial?

Fernanda

– Ele é um ator que admiro muito, rigoroso, tem humor, é companheiro. Acho que, de tanto respeitá-lo como artista, o filme é algo único.

P – Como foi a cena de amor entre vocês?

Fernanda

– Especial. No Festival do Recife havia 3 mil pessoas no cinema, dois terços de jovens, e foi uma prova extraordinária para o filme: todos assistiram a esse encontro, a esse amor, em absoluto silêncio. Nós passamos no teste.

P – E a Regina recusa muito até aceitar aquele momento.

Fernanda

– Ela é escolada e deve ter passado por experiências não muito felizes. Mas é uma mulher queixosa do sonho do par, algo que a minha geração tinha muito: um ato de fé junto a um par que vai pela vida. Acredito ainda que terá um desencontro nessa relação, pois são duas criaturas distanciadas no seu viver. Talvez fique apenas uma amizade.

P – Como foi trabalhar com um diretor estreante?

Fernanda

– Um talento. Esse projeto até que foi rápido, durou só três anos – o primeiro filme leva de cinco a sete anos. Aliás, em um ano, fiz três filmes de iniciantes: além deste, fiz o “Redentor”, do meu filho Cláudio Torres e em que ele está trabalhando há seis anos. Fiz também “Olga”, do Jayme Monjardim. O primeiro filme é tão importante na vida de um cineasta e, graças a Deus, eles me chamam muito. Sempre vai ter, no roteiro deles, uma velhinha no fundo. Eu conto com essa moçada. Nunca me dei mal.

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