Cia. do Latão estreia ‘O Patrão Cordial’ em São Paulo

Em seu novo espetáculo, a Cia. do Latão parece ter encontrado o mais brasileiro dos textos de Bertolt Brecht. “O Patrão Cordial”, que o grupo estreia nesta sexta-feira, 08, no Sesc Belenzinho, toma como base a peça do dramaturgo alemão: “O Senhor Puntila e Seu Criado Matti”. E a mescla a um dos livros essenciais da historiografia nacional, “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda.

“Esse ponto de encontro entre os dois autores não é uma percepção nova”, comenta o diretor Sérgio de Carvalho, relembrando os escritos de Anatol Rosenfeld. O antigo crítico teatral e literário do jornal O Estado de S.Paulo, que atuou nos anos 1950 e 60, talvez tenha sido o primeiro a perceber o diálogo entre as duas obras e já apontava a existência daquilo que denominou como ‘cordialidade puntiliana’.

Saudado como essencial para a interpretação do processo de formação do País, “Raízes do Brasil” disseca as particularidades da colonização ibérica na América, ressaltando o predomínio do privativo sobre a vida pública. Em sua análise, Buarque de Holanda descreve como peculiaridade brasileira a “acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional”. Diagnóstico lançado em 1936, mas ainda precioso para entender as contradições de nossa modernização.

No “Patrão Cordial”, o foco recai especialmente sobre as relações de trabalho. Na adaptação, o empregado Matti se tornou o motorista Vitor. Já o senhor Puntila surge como Cornélio, um fazendeiro que mantém com seus empregados um relacionamento que varia em função de sua dependência alcoólica: é afetuoso e dócil quando embriagado. Mas, se sóbrio, porta-se de maneira impiedosa e cruel. Seu comportamento, portanto, pouco ou nada considera aquele que é seu interlocutor. Ao tentar criar uma falsa intimidade com quem o serve, esse patrão lança mão de um mecanismo que se espraia pelas dinâmicas sociais que conhecemos: substituem-se os limites claros da lei pelo compadrio, em que as regras são nebulosas e imprecisas.

“O jogo cordial vem para manter a regra oscilando. Uma oscilação, é claro, que favorece o empregador”, considera Carvalho, que assina a dramaturgia e a encenação do novo trabalho. O afeto imposto pelo protagonista surge, nesse contexto, como uma antítese da distância. Aquele que detém o poder vem anular a possibilidade do outro constituir-se como indivíduo. “E, ao obscurecer a individualidade do empregado, ele obscurecer também a diferença de classes.”

Toda a estrutura narrativa da peça de Brecht foi mantida na montagem: o enredo, os conflitos e o seu pendor cômico. O que a fricção da obra alemã com “Raízes do Brasil” trouxe à atual versão foram alterações no espaço e no tempo: a trama é transposta da Finlândia para o Vale do Paraíba e passa-se durante os anos 1970 – certo deslocamento que deve manter o espectador em estado de alerta para compreender as reverberações e pontos de contato com o presente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O PATRÃO CORDIAL

Sesc Belenzinho (Rua Padre Adelino, 1.000, tel. 2076-9700). 6ª e sáb., 21h30; dom. e fer., 18h30. R$ 5/ R$ 25. Até 15/12.

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