Carlos Alberto de Nóbrega diz que televisão aceita tudo

Sempre tive uma pontinha de inveja da imprensa escrita. Ela sempre foi guerreira. Jamais se acovardou. Na época da ditadura, quando todos nós éramos reprimidos de forma absurda e nos calávamos, os jornais mostravam ao leitor a força do poder arbitrário. Lembro-me das receitas de docinhos que eram colocadas nas partes censuradas dos jornais.

Os espaços em branco que deixavam eram para mostrar ao leitor que ali havia o dedo da Censura. Enquanto nós na tevê obedecíamos pacificamente… Veja se existe, em algum órgão da imprensa, espaço gratuito para propaganda política. Vocês dos jornais não abriram as pernas para os herdeiros da ditadura. Já a televisão, aceita tudo.

Em 64, eu trabalhava na TV Record de São Paulo, onde escrevia o programa “É Uma Graça, Mora”, “Família Trappo” e participava do programa do meu pai, “A Praça da Alegria”. Meus amigos, eu ia mais à Polícia Federal que o Sílvio Santos a Miami. Diga-se de passagem, sempre fui muito bem tratado. Só gritos e dedo em riste no meu nariz – que, na época, ainda não havia sido operado, ou seja, era grande.

O nível de gente que ia nos censurar era o mais baixo possível. Imagine, você estar trabalhando, dando duro, criando graça e a sua moral e seus princípios, seu caráter, ser controlado e vigiado por um boçal com um 38 cano curto na cintura, um palito de fósforo no canto da boca e falando coisas assim: “Quanto MENAS vezes o pessoal FALAREM disso, melhor”. Aquelas pessoas que iam ditar moral para nós viviam dando em cima das meninas do programa, como se aquilo lá fosse um prostíbulo.

Uma vez na “Escolinha do Golias”, o aluno dizia para o professor: “Estados Unidos é onde tem a Estátua da Liberdade!”. E o professor perguntava: “Você viu a Estátua da Liberdade quando esteve lá?”. “Vi. Só que cheguei tão cedo que ela ainda estava sem camisola”. A Censura cortou. E sabem o que o censor justificou? “Censurado, pois liberdade sem camisola pode dar idéia de ditadura. Tira Estátua da Liberdade e põe Torre Eiffel que dá no mesmo”. O idiota misturou Paris com Nova Iorque…

Querem mais? “Praça da Alegria”. Na época, o Borges de Barros fazia um mendigo que marcou época. Um dia, ele recitou uma poesia que era assim: “Auriverde pendão da minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança…”. Foi censurada esta frase. Meu pai, que era um homem bom, ponderado, tranqüilo, foi falar com o censor: “Amigo, essa frase é do Castro Alves!”. “Eu sei, Seu Nóbrega, mas eu não conheço ele. Fala para ele mudar o ‘beija e balança'”. Beijar, pode. Mas beijar e balançar dá uma CANOTAÇÃO de sacanagem.

Querem outra? Num programa, a gente falava assim: “Vão derrubar casas para alargar a Avenida Duque de Caxias”. Censurado. “Em vez de Duque de Caxias, põe outra rua: Avenida São João, Largo do Arouche… Não pode falar nome de militar”. Uma vez, eu dei uma festa em casa. Sabem por quê? Abro o jornal e leio que o chefão da Polícia Federal, o tal que assinava a liberação do que podia ir ou não ir ao ar lá em Brasília, havia sido desligado de suas funções por atos de corrupção. Logo ele que tomava conta da nossa moral…

Para encerrar: Na “Família Trappo”, o Bronco não trabalhava. Recebo a informação que um coronel da “pesada” queria que eu mudasse o personagem do Golias. Era um mau exemplo para as pessoas: um vagabundo, um aproveitador do cunhado, que levava sempre a melhor. Falei curto e grosso: “Diga ao seu coronel que ele manda no quartel dele. No programa, mando eu!”. No dia seguinte, saberia que ele realmente mandava também no meu programa… E como mandava! E tudo isso por causa de uma situação onde o Bronco dizia que não podia ir pescar com o cunhado porque ele tinha medo de segurar na vara e nojo de minhoca. Tudo censurado. Resultado: o Brasil era o único país do mundo a censurar a minhoca.

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