Carandiru atrás da Palma

Cannes

 – Com a exibição fora de concurso do remake do capa-e-espada Fanfan La Tulipe, começa hoje a 56.ª edição do Festival de Cannes, o mais prestigioso de todo o vasto calendário cinematográfico mundial. O evento termina no dia 25, com o clássico Tempos Modernos, de Charles Chaplin, em versão digital.

Mas até lá muita água vai rolar. Serão projetados nada menos do que 56 longas-metragens, provenientes de 24 diferentes países. Destes, vinte estão na mostra competitiva pela Palma de Ouro, o mais cobiçado troféu dos festivais de cinema do mundo (O Oscar é outro departamento e não pode ser somado na mesma coluna).

Este ano o Brasil terá o privilégio de disputar a Palma. Estaremos lá com Carandiru, o drama penitenciário de Hector Babenco que já ultrapassa a casa dos 3 milhões de espectadores no Brasil e ameaça tornar-se o maior sucesso do cinema nacional recente.

O Brasil compete também no segmento de curtas-metragens com o experimental A Janela Aberta, de Philippe Barcinski. Fora de concurso, o País leva outros dois trabalhos para Cannes: Filme de Amor, o mais recente de Julio Bressane, e Castanho, de Eduardo Valente, diretor que, ano passado, no mesmo festival, ganhou o prêmio da Cinefondation (destinado a trabalhos universitários) com seu Sol Alaranjado.

Ninguém pode avaliar as chances do competidor brasileiro a priori, mas sabe-se que ele terá paradas indigestas pela frente. Esses 20 finalistas foram depurados de uma lista de mais de 900 longas pleiteantes, vindos de todas as partes do mundo. É de se presumir que tenham ficado os melhores, embora vez por outra se comente que Cannes privilegia os grandes nomes. E, de fato, algumas dessas figuras veneráveis estão lá, como Peter Greenaway, Alexandr Sokúrov, Clint Eastwood, Lars von Trier, entre outros. Aliás, o próprio Babenco já poderia ser contabilizado nessa galeria de notáveis. Ele chega a Cannes com a experiência de quem já competiu em vezes anteriores, com O Beijo da Mulher Aranha e Coração Iluminado.

Novatos

Além desses nomes conhecidos, a mostra principal tem um trunfo a apresentar: alguns nomes concorrem pela primeira vez, como o chinês Lu Ye, os japoneses Kiyoshi Kurosawa e Naomi Kawase, os americanos Gus van Sant e Vincent Gallo, e o turco Nuri Bilge Ceylan. Essa relativamente boa porcentagem de “novatos” faz com que Cannes se gabe, neste ano de estar promovendo a renovação.

Com o que tinham à mão, os selecionadores de Cannes escolheram esses 20 filmes finalistas, provenientes de 13 países diferentes e que devem formar um painel razoável da produção de arte em nível mundial. E há ainda algumas pré-estréias de prestígio, como a da superprodução americana Matrix Reloaded, esperado pelos fãs do primeiro Matrix como se fosse o retorno do Messias.

Voltando à competição, cabe a pergunta: o Brasil tem chances? Tem. Sempre é bom lembrar que a única vez em que um filme brasileiro ganhou a Palma de Ouro em Cannes foi em 1962, com O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. Naquele ano, Anselmo tinha oponentes do porte de O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel, O Eclipse, de Michelangelo Antonioni, e O Processo de Joana D?Arc, de Robert Bresson. Quer maior prova de que em festivais, eleições e partidas de futebol há resultados mais prováveis do que outros, mas nunca garantidos de antemão? Será esse o segredo a ser revelado no dia 25 pelo júri presidido pelo francês Patrice Chéreau.

Franceses e Federico Fellini

Luiz Zanin Oricchio

Homenagens são sempre de rigueur nos festivais. Neste ano, Cannes celebra dois ilustres franceses desaparecidos no último ano – o cineasta Maurice Pialat, que ganhou a Palma de Ouro de 1987 com Sob o Sol de Satã, e o produtor Daniel Toscan du Plantier, presidente da Unifrance, a agência de divulgação do cinema francês no exterior.

Mas a homenagem de maior peso será a Federico Fellini, nos dez anos de sua morte. Talvez Fellini tenha simbolizado como ninguém essa figura do autor que consegue encantar a intelligentsia e também se comunicar com o homem da rua. Filmes como Amarcord e A Doce Vida preenchem perfeitamente esse perfil, para ficar em duas de suas obras-primas. Em Cannes, Fellini ganha uma retrospectiva completa de sua obra, com cópias novas ou restauradas. Haverá também debates e uma aula sobre a função da música em seus filmes, dada por Nicola Piovani, que compôs a trilha de A Voz da Lua, canto do cisne do mestre. Será ocasião para falar de Nino Rota, alma gêmea de Fellini e parceiro musical dos seus trabalhos mais importantes.

Outra “aula” marcada em Cannes e que, pelas circunstâncias, deverá ser muito concorrida é a do diretor americano Oliver Stone (Nascido a 4 de Julho e JFK). Recentemente Stone lançou Comandante, que tenta captar o lado humano de Fidel Castro, filme que ficou um tanto defasado depois que o eterno presidente de Cuba resolveu fuzilar três dissidentes, em rito sumário.

Aliás, será interessante ver como se comportam, no âmbito cinematográfico, as relações França-Estados Unidos, um tanto abaladas por causa da guerra no Iraque. No site oficial do festival diz-se que tudo continua às mil maravilhas, como prova a seleção de três competidores americanos à Palma de Ouro.

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