Cantor Fabio tem seu livro de memórias relançado

Por trás daqueles 120 quilos de dinamite havia um homem em estado avançado de solidão. E na madrugada em que cocaína nenhuma conseguia vencê-la, Tim Maia ligou para a polícia: “Doutor, quero que o senhor venha me prender”. O delegado desconfiou: “Mas por que eu faria isso?” Tim ofereceu os pulsos: “Aqui eu tenho de tudo, maconha, coca, haxixe e mais alguma coisa que o senhor deseje”. Dois homens seguiram para o flagrante. Abriram a porta, entraram de arma em punho e viram a cena que derrubou seus instintos de caça bandidos. O mesmo Tim Maia que ouviam com a família estava ali, deitado no chão, quase inconsciente, nu e transpirando uísque. “Me levem, por favor”. Deprimidos, os homens se retiraram.

Quando o dia amanheceu, Fabio estava ao lado de Tim. O cantor paraguaio que conhecera dos tempos de Boate Cave, amigo de quando não tinha três centavos para comprar um pão na padaria, era íntimo o bastante para querer saber: “Por que você fez isso, Tim? Por quê?” E ouviu uma rara resposta séria de Tim em 30 anos de amizade: “Eu não tinha ninguém para conversar”.

Mesmo quando não tinha ninguém para conversar, Tim Maia tinha Fabio. No filme que conta a história do músico, dirigido por Mauro Lima, Fabio aparece romantizado na interpretação de Cauã Reymond. É em torno dele que as histórias mais saborosas acontecem, muitas verdadeiras, algumas fictícias, outras um tanto alteradas. As memórias que Fabio guardou de Tim foram lançadas em 2007 sob o título Até Parece que Foi Sonho – Meus 30 Anos de Amizade e Trabalho Ao Lado de Tim Maia. Um pouco depois, no mesmo ano, sairia a biografia de Tim assinada por Nelson Motta, Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia. “O Nelson me ligou pedindo para usar algumas histórias que havia visto no meu livro”, conta ele. Muitas passagens relatadas primeiro por Fabio foram parar no livro de Motta e, de lá, no filme de Lima. Mas a fonte ainda menos contaminada por versões e recursos dramatúrgicos continuam no pequena publicação de Fabio, que a editora Matrix acaba de relançar.

A coleção de histórias impressiona pela intensidade de seus altos e baixos e faz um livro de 130 páginas parecer ter 500. Tim, como Elis Regina, parecia viver três anos em um. E alguém que ficasse ao seu lado poderia ter a certeza de que algo bizarro iria lhe acontecer em instantes.

Roberto Carlos é uma figura que não sai nada bem nem no livro nem no filme. O livro é ainda um pouco mais ameno. O filme, nas entrelinhas, o chama de mau caráter. Depois de iniciar carreira junto com o amigo Tião Maia no grupo Sputniks, em 1957, Roberto saiu na frente, deixou os amigos e virou um gigante sob as bênçãos de Carlos Imperial. Tim buscou ajuda do amigo para aplacar sua sede de sucesso e sua fome de qualquer coisa que descesse pela garganta, mas Roberto o ignorou sumariamente. Anos depois, Fabio repensaria a atitude de Roberto: “Ele não queria o Tim encrenqueiro ao lado dele”, diz, em entrevista ao Estado.

Fabio, paraguaio de nascimento e brasileiro por opção, tem como nome real Juan Zenón Rolón. O sucesso veio com a música Stella e o respeito conseguiu ao defender Encouraçado a pedido de sua compositora, Sueli Costa (autora com Tite de Lemos) no 5º Festival Internacional da Canção, em 1970. Ele terminou em terceiro lugar na edição vencida por Toni Tornado, com BR-3, mas ficou com o troféu de melhor intérprete.

O nome Fabio foi emprestado por Herondy, que antes de fazer sucesso em dupla com Jane se apresentava como Fabio Marcel. Com Tim, gravou a canção Até Parece que Foi Sonho, que estourou nas rádios e lhe deu mais alguns anos de sucesso. Viveu ao lado de Tim histórias memoráveis nos mais variados estágios alcoólicos e lisérgicos. Histórias hilárias que, em algum momento, podem lhe tirar o sorriso dos lábios. É assim que Fabio escreve ao final de tudo: “Que droga fizemos com a gente. Por que tanta loucura se tínhamos a vida inteira a nos sorrir e a nos chamar a cantar?”

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