Câncer tira a vida de Noite Ilustrada

São Paulo – O cantor e compositor Noite Ilustrada, nome artístico de Mário Souza Marques Filho, morreu ontem, às 8h da manhã, aos 75 anos, em Atibaia, interior paulista, vítima de câncer no pulmão. Apontado pela crítica como o maior cantor de samba de São Paulo, ele estava internado desde 27 de junho. O velório ocorreu na Câmara Municipal da cidade. O enterro acontece hoje, às 10h, no cemitério Parque das Flores, em Atibaia.

Antes da internação, Noite Ilustrada (apelido que ganhou de Zé Trindade nos anos 50 por gostar da revista A Noite Ilustrada) cumpriu uma extensa agenda de shows, medicando-se sempre antes de cada apresentação. Outros espetáculos também estavam marcados para diversas cidades – no dia 16, por exemplo, ele se apresentaria em São Paulo.

O sambista estava envolvido ainda na gravação de dois CDs, que serão lançados pelo selo Atração. No primeiro álbum, Ao Mestre, com Carinho, ele interpreta somente canções de Ataulfo Alves, que considerava seu mestre. O CD está pronto e será lançado no dia 30. O segundo, Noite Ilustrada Canta Lupicínio Rodrigues, ainda passa por um processo de mixagem e deve chegar às lojas em agosto.

Segundo Chico Pardal, gerente de produto da Atração, o sambista dedicou-se durante um mês aos dois projetos, apesar da doença. “Ele vinha ao estúdio duas vezes por semana, para colocar voz nos discos. Era um guerreiro”, resume. “Ele chegou a ver a capa de Ao Mestre, com Carinho, no hospital.”

Dono de uma voz burilada, que melhorava com o tempo, Noite Ilustrada inspirava os autores. O compositor e violeiro Adauto Santos, que morreu em 1999, foi um desses amigos desde os anos 60. Santos decidiu homenageá-lo com uma música, Perfil de um Sambista, em que revela sua trajetória musical.

“Canjas”

Nascido em Pirapetinga, Minas Gerais, em 10 de abril de 1928, Noite foi para o Rio, nos anos 50, quando fazia shows em circos e parques de diversões ao lado de Geraldo Pereira, Blecaute, Risadinha, Moreira da Silva e outros. Em 1956, foi em excursão a São Paulo com Jaime da Portela, e acabou sendo o único a não voltar: depois de dar uma canja em uma boate, foi contratado pela Rádio Nacional e, dois anos depois, lançou seu primeiro disco – Cara de Boboca -, pela gravadora Mocambo.

Terminado o contrato, seguiu para a gravadora Philips, que lançou O Ilustre, de 1962, com a canção Toalha de Mesa (Dora Lopes, Carminha Mascarenhas e Chumbo). O maior sucesso, porém, viria no ano seguinte, com Noite Ilustrada, disco que apresentava um samba escrito por Paulo Vanzolini -Volta por Cima (“Reconhece a queda e não desanima / Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima”). Manteve-se na parada com O Neguinho e a Senhorita, de Noel Rosa de Oliveira e Abelardo Silva, lançado em 1965, no disco Caminhando.

Novos ritmos

Os novos ritmos trazidos pela bossa nova e o tropicalismo chegaram a incomodá-lo, mas seu percurso pelas gravadoras continuava. Entre os discos que mais marcaram estava Revivendo o Mestre Ataulfo, no qual prestava homenagem a quem considerava seu único guru.

O auge do rock nacional, porém, nos anos 80, acabou fechando seu mercado. Sem grandes opções, Noite Ilustrada foi obrigado a se mudar para Recife, em 1984, onde integrou o elenco da Polydisc, um selo local. Gravou o disco Noite Ilustrada – Cada Vez Melhor, no qual lançou o sucesso Minha Rainha, de Rita Ribeiro. A grande repercussão surpreendeu o próprio cantor, ganhador de discos de ouro e de platina.

Depois de excursionar pelo País, decidiu se estabelecer em Atibaia, em 1996. Dois anos depois, lançou Eu Sou o Samba, pela gravadora Camerati, até que, entre 2000 e 2002, contratado pela Trama, gravou Perfil de um Sambista, com produção de Fernando Faro, com músicas que se tornaram clássicos da MPB. A faixa-título, por exemplo, era a canção que lhe presenteou Adauto Santos. (Colaboraram Beatriz Coelho Silva e Karla Dunder/AE)

Artsitas lamentam a perda

“Se eu tivesse 3 mil páginas, não seriam suficientes para falar da importância de Noite Ilustrada. Mas como tenho só duas frases, só vou dizer que é mais um grande sambista que desfalca a nossa música popular brasileira. Fiz dois shows com ele no ano passado, em São Paulo, e foi ótimo. Era um cantor de voz maravilhosa e uma divisão espetacular, mas, como dizia Zé Kéti, ?a gente morre sem querer morrer?. (Nelson Sargento, sambista mangueirense).

“Noite Ilustrada foi um dos maiores intérpretes de samba que tivemos. É o que está faltando hoje, e a garotada que está chegando tem de ouvir seus discos para aprender com ele. Fiquei fã dele quando o vi cantar na Rádio Tupi, há muitos anos, e desde então virou meu ídolo. No ano passado, quando fui a Recife, fiquei feliz porque ele fazia sucesso lá. Estava arrebentando a boca do balão, embora estivesse fora da mídia aqui”. (Noca da Portela, sambista).

“Sempre fui um grande admirador não só de suas obras, como de sua pessoa. Fechei contrato com a gravadora Philips no mesmo ano em que Noite Ilustrada estourava com Volta por Cima. Nos tornamos muito amigos, ele tinha um bar no Largo do Arouche, como eu morava perto estava sempre ali. Ele era um monstro, um baluarte da música”. (Jair Rodrigues, cantor).

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