Brasil volta a Cannes com filme de Walter Salles

Agora, é oficial. Desde fevereiro, a voz geral dizia que Walter Salles desistira de ir ao Festival de Berlim porque Diários de Motocicleta já estaria confirmado na seleção da mostra competitiva de Cannes. Desde ontem, está confirmado. O Brasil volta a concorrer à Palma de Ouro com este filme de formação e descoberta, mostrando como o jovem Ernesto Guevara, bem antes de virar o Che, forjou sua vocação política numa viagem de motocicleta pela América Latina, com seu amigo Alberto Granado, em 1952.

O Brasil está de novo na disputa da Palma de Ouro, mas há outro filme latino-americano que também vai concorrer ao principal prêmio do maior festival de cinema do mundo, que este ano ocorre de 12 a 23 de maio – é o argentino La Niña Santa, de Lucrécia Martel, a talentosa diretora de La Ciénaga, premiado em Berlim, anos atrás.

Há mais três brasileiros em Cannes. Quimera, de Eryk Rocha, o filho de Glauber, uma parceria com o artista plástico Tunga, concorrerá à Palma de curta, que o pai do diretor venceu com Di, em 1977; Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, de Sílvio Tendler, será exibido fora de concurso; e a versão restaurada de Terra em Transe, justamente de Glauber, vai ser exibida numa seção especial só para filmes que tiveram de ser recuperados (e haverá um prêmio para a melhor restauração). Vale lembrar que, há 40 anos, Glauber ganhou projeção internacional quando Deus e o Diabo na terra do Sol integrou a competição de Cannes. Erik pode estar seguindo os passos do pai.

Numa entrevista por telefone, de Nova York – onde conclui hoje a filmagem de Dark Water -, Walter Salles disse que vai a Cannes despreocupado do compromisso de ganhar a Palma de Ouro. Ele não apenas acha que Diários de Motocicleta não possui o perfil daquilo que se chama de ‘filme de festival’ como foge ao próprio conceito europeu do cinema de autor. “Este não é um filme de autor; é um filme de autores, de amigos que se uniram para contar essa extraordinária viagem de descoberta.” Ser livre e independente era uma urgência do filme, até pela natureza dos personagens. Salles sente que se libertou de tudo, até da ditadura do quadro. “Só nos preocupamos em acompanhar esses personagens que derivam por um continente que vão descobrindo. Em nenhum momento tivemos a preocupação de fazer um filme ‘bonito’. Nosso compromisso era outro – honrar a trajetória de coerência e integridade que marcou a vida de Ernesto Guevara.”

Waltinho não esconde sua empatia pelo Che. O cinema, para este filho de milionário – o pai, Walter Moreira Salles, era banqueiro, dono do Banco Nacional -, é um instrumento de descoberta do mundo. Vindo de uma classe que define como ‘fechada’, marcada pela ‘mesquinharia’, Waltinho sempre quis olhar além dos limites de quem possui poder e dinheiro. Ele acha que o Che conseguiu se desvencilhar de sua classe. “Reinventando o Sartre, acho que o Che descobriu que o inferno não estava nos outros, mas estava em seu meio. Compartilho dessa convicção.”

Foi difícil montar a produção, mesmo com o aval de Redford, Salles só ouviu ‘não’ de possíveis investidores. Diários só decolou quando Film Four assumiu a produção, garantindo a liberdade que Salles, avalizado por Redford, reivindicava.

E, agora, como será em Cannes? Salles vai disputar a Palma de Ouro com grandes nomes do cinema mundial. Emir Kusturica, Wong Kar-wai e Michael Moore também vão concorrer à Palma de Ouro. Ele nega qualquer expectativa quanto a uma possível premiação. Salles nunca concorreu em Cannes, seus filmes nunca participaram do festival, nem em mostras paralelas. Mas o diretor integrou em 2001 o júri de curtas e da Cinéfondation, que atribui a Palma de Ouro do formato, para curtas produzidos em escolas de cinema de todo o mundo. E, no ano seguinte, integrou o júri principal, que atribuiu a Palma de Ouro a O Pianista, de Roman Polanski. David Lynch era o presidente do grupo de jurados.

Voltar à Croisette com Diários de Motocicleta em competição reacende o sonho de nova consagração internacional para o cinema brasileiro. O filme estréia dia 7 em 80 salas de todo o País. Isso significa que o público poderá ver Diários e torcer pelo filme em Cannes.

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