Beto Rockfeller, bicão da audiência

Em 40 anos de telenovelas diárias no Brasil, Beto Rockfeller, exibida pela Tupi em 1968, é a que mais marcou a produção brasileira. A Tupi, em crise, queria uma novela de baixo custo. A melhor maneira de baratear seria evitar vestuários e cenários de época para usar roupas comuns e incluir locações e externas. Essas mudanças exigiram inovações no texto. O autor Bráulio Pedroso recorreu ao cotidiano urbano brasileiro, usou um tom coloquial nos diálogos, deu espaço para os improvisos dos atores e centrou o foco num anti-herói: um mero funcionário de uma loja de calçados que se infiltra na alta sociedade. Tudo isso fez Beto Rockfeller virar mania nacional.

O protagonista, vivido por Luiz Gustavo, passava longe do galã convencional. Esperto e cheio de ginga, abusava do charme para se passar por milionário e manter as duas namoradas: a humilde Cida, vivida por Ana Rosa, e a ricaça Lu, interpretada por Débora Duarte. “Naquele momento, era uma ousadia um personagem como este”, define o ator Luiz Gustavo.

“Estávamos no auge da ditadura, era a hora de quebrar barreiras. A obrigatoriedade do herói bonzinho era uma imposição que caiu por terra”, destaca Marília Pêra, que interpretou Manuela na trama. “A representação era naturalista, levada pelo próprio texto, mais coloquial. E o elenco contribuía”, opina Walderez de Barros, intérprete de Mercedes.

O elenco é destacado também por Lima Duarte, diretor da novela. “Era muito fácil trabalhar com aquele elenco. Colocava o estúdio todo em função deles”, garante. De fato, boa parte do texto era fruto da criação dos atores, o que favorecia a inclusão de menções a personalidades e fatos do dia-a-dia de São Paulo. Este bate-bola com a realidade fez com que a novela ganhasse as páginas dos jornais. “Fomos parar nas colunas sociais e políticas, íamos presos a cada duas semanas por causa da Censura, fomos capa da Veja logo depois da estréia”, enumera Luiz Gustavo.

O improviso tomava conta da produção em todos os níveis. Às vezes, o segundo bloco da trama entrava no ar e o terceiro ainda estava sendo gravado, nas imediações da TV Tupi, onde eram realizadas as externas. Para “economizar tempo”, o próprio diretor dava vida a personagens que apareciam “de repente” na trama. Foi assim que ele “virou” Seu Domingos, o dono da oficina mecânica onde trabalhava Vitório, interpretado por Plínio Marcos. O personagem não existia no texto, mas começou a ser citado a toda hora por Plínio e Luiz, até que ganhou uma “cara”. “Na verdade, só aparecia de costas, numa sombra ou em off. Era um personagem misterioso”, lembra Lima, aos risos.

O sucesso foi tanto que a novela acabou esticada em vários meses, provocando uma verdadeira “deserção” na equipe. Bráulio foi substituído por uma trinca de autores, liderados por Eloy Araújo, Walter Avancini entrou no lugar de Lima e o próprio Luiz Gustavo se ausentou algumas semanas das gravações. “A emissora não queria terminar a novela de jeito nenhum. Chegou uma hora em que peguei minhas coisas e fui embora. Só voltei para gravar os dois últimos capítulos”, revela o protagonista, que reencontrou o personagem na novela A Volta de Beto Rockfeller, também da Tupi, em 1973, e no filme Beto Rockfeller, dirigido por Olivier Perroy.

O reduto da inspiração

Era para ser só mais uma noite na boate Dobrão, local da moda em São Paulo no final dos anos 60, do qual Cassiano Gabus Mendes era um dos sócios. Mas o então diretor artístico da Tupi e Luiz Gustavo passaram horas entretidos com um sujeito simpático e “boa-pinta”, que roubava as atenções da mesa onde se comemorava o aniversário de uma jovem da alta sociedade. Ele chegou, entregou flores à aniversariante, arrancou gargalhadas do grupo, tirou a garota para dançar e pediu que tocassem um tango. Os dois deram um show na pista de dança, foram aplaudidos e saíram juntos da boate. Curioso, Luiz se aproximou da mesa e perguntou quem era o convidado. Ninguém conhecia. Tampouco ele havia sido convidado para a festa. O ator se lembra até hoje do comentário de Cassiano. “Este cara é um personagem. Deve ser um ?pé-rapado?, que deu um show numa festa da sociedade”, recorda Luiz. Naquela noite, os dois já saíram dali com o nome do personagem definido – Beto, apelido bem brasileiro, e Rockfeller, sobrenome de uma das maiores fortunas internacionais da época. O próximo passo foi entregar a idéia nas mãos de Bráulio Pedroso.

A boate Dobrão, por sua vez, teve papel relevante em mais uma das inovações de Beto Rockfeller: a inclusão da música popular, nacional e internacional, na trilha sonora das novelas. Cassiano entregou a Lima uma série de discos da boate, muitos deles ainda não vendidos no Brasil. O diretor até hoje se lembra das cenas em que Renata, vivida por Bete Mendes, aparecia ao som de F… Comme Femme. Mauro Alencar aponta estas cenas como precursoras dos clipes.

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