É muito interessante ficar observando como os filmes que compõem a seleção da Berlinale dialogam entre si. Segunda-feira, na competição, passou o filme chinês sobre cegos, Blind Massage, e também o brasileiro Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, na mostra Forum. Na terça-feira, 11, pela manhã, o último dos quatro concorrentes alemães – InBetween Worlds, de Feo Aladag – colocou na tela a história de soldados alemães na Guerra do Afeganistão, e na sequência veio o brasileiro (coprodução com a Alemanha) Praia do Futuro, de Karim Aïnouz. O filme começa na praia do título, onde dois turistas saltam da moto, entram no mar e um deles morre afogado. Eram amigos e se conheceram na Guerra do Afeganistão. Poderiam ter integrado o destacamento que Feo Aladag filma.

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Vamos logo ao que o espectador brasileiro quer saber – Praia do Futuro pode até não ganhar nada na premiação final (mas vamos torcer para que isso não ocorra), mas é um belíssimo filme, um dos melhores dessa seleção que começou bem e agora anda errática. Na coletiva, Aïnouz fez uma declaração importante. Disse que, às vezes, tem a impressão de que não filma com a câmera, mas com o coração. Foi assim em Madame Satã, O Céu de Suely e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, mas não em Abismo Prateado, que pode até ser um filme de virtuose (ganhou o prêmio de direção no Festival do Rio), mas é um filme frio, sem alma.

Uma cena do filme já nasceu clássica e vai se inscrever entre as maiores do cinema brasileiro. Quem leu a entrevista com, Karim na edição de segunda-feira, sabe que Praia do Futuro conta a história de dois irmãos de Fortaleza. Um deles abandonou a família e foi para a Alemanha com o novo amigo. Anos mais tarde, o irmão que ele deixou pequeno o procura, agora adulto. E porque Donato, o personagem de Wagner Moura, era o herói de Airton (Jesuíta Barbosa), ao encontrá-lo, no terceiro bloco do filme – Um Fantasma Que Fala Alemão -, o garoto feito homem solta sua ira e bate no mais velho, diz a ele coisas ofensivas, terríveis. É o sonho de todo diretor. Ter atores que façam diferença, que tirem as frases das páginas mortas do roteiro e lhes deem vida. Wagner e Jesuíta fazem isso. São admiráveis.

Homofobia

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A história de Praia do Futuro envolve homossexualidade, mas o filme não é sobre isso, ou só sobre isso. Para o espectador que identificou em Wagner Moura a macheza do Capitão Nascimento de Tropa de Elite (1 e 2), certas cenas de Praia do Futuro poderão causar estranhamento. Wagner foi incisivo no debate – se a imprensa transformar aquelas cenas na questão central do filme estará prestando um desserviço ao cinema e à causa do combate à homofobia. Se fossem um homem e uma mulher, não haveria clamor. Por que terá de haver, só por que são dois homens? A fragilização do herói, as relações familiares, a alma das cidades (Berlim e a praia do Futuro), a força e a fraqueza, a coragem e a covardia. O amor, porque Praia do Futuro também é um grande filme de amor. O melhor do diretor.

Haverá quem conteste isso. Sempre há. Mas, para quem entra na viagem, ela é plena – como drama e cinema, como arte e vida. Foram dois dias gloriosos para o cinema brasileiro. Na segunda, passaram dois filmes – Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro, e O Homem das Multidões, de Marcelo Gomes e Cao Guimarães. O Homem já passou (bem) no Rio e em Tiradentes. Foi a estreia mundial de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. O garoto cego e suas descoberta/aceitação da (homos)sexualidade. O aplauso caloroso do público ao diretor Daniel Ribeiro e a seus atores encheu a alma. O filme estreia no fim de março em São Paulo. Houve um quarto filme brasileiro no fim de semana (e na segunda, de novo). Castanha, de Davi Pretto, sobre um transformista gaúcho, João Carlos Castanha, que pratica uma arte da caricatura e da provocação. Quatro bons filmes. O Brasil brilha em Berlim. Com Karim, chegará ao pódio? A resposta, no sábado, 15. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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