Ben Stiller é homem de muitas identidades em novo longa

Sozinho ou em dupla com Owen Wilson, Ben Stiller projetou uma persona cômica que faz dele um dos astros de Hollywood preferidos do público. Como diretor, ele vinha insistindo na comédia – e na paródia, colhendo um grande êxito com “Trovão Tropical”. Ben Stiller agora muda o tom. O protagonista de seu novo filme como ator e diretor, “A Vida Secreta de Walter Mitty”, é um homem de muitas identidades justamente porque não possui uma. A mãe, o novo chefe, a colega que idealiza – nas crises, Walter projeta-se num mundo paralelo, imaginado. Joga-se de grandes alturas, enfrenta tubarões, corre de explosões como qualquer super-herói. Tudo isso favoreceria o tom paródico e até farsesco, mas Ben Stiller nunca foi mais “doce”. A verdade é que Walter não é um herói, embora vire herói de si mesmo.

“É gentil de sua parte me dizer isso”, ele observa numa entrevista por telefone, durante a junket do filme na Cidade do México. “Havia, realmente, a possibilidade de tratar a narrativa de forma episódica, dando um tom diferente a cada etapa da jornada de Walter. Mas eu achei que desta maneira estaria falseando o personagem e sua busca. Walter é muito humano. Foi sua humanidade que me seduziu.”

Walter Mitty nasceu da imaginação do escritor James Thurber em 1939. Em 1947, virou filme estrelado por Danny Kaye (em sua grande fase). O filme antigo chama-se “O Homem de Oito Vidas”.

O novo Walter, no roteiro escrito por Steve Conrad – o mesmo de “À Procura da Felicidade”, com Will Smith -, é funcionário numa grande revista que vive um momento de transição. Está deixando o universo do impresso para se tornar virtual, um fenômeno que ocorre em toda parte, e com grandes jornais. A revista da ficção chama-se Life, como duas publicações famosas (de fotojornalismo) já desaparecidas nos EUA. Walter trabalha no controle e cadastramento de negativos de fotos. E some o negativo da foto que será a capa do último número impresso da revista. Walter cai na estrada e usa os mais variados meios de transporte – carros, barcos, aviões – para chegar ao fotógrafo Sean Penn. No final, esse homem de muitas caras descobre sua identidade.

“Como ator, é um tema que me interessa muito – as máscaras que as pessoas usam para enfrentar o mundo. Mas eu não queria que Walter fosse um estereótipo da crise de identidade no mundo moderno. Ele possui uma família, uma mãe, e isso é muito importante.”

Stiller comentou com o repórter sua admiração por “Muito Além do Jardim”, de Hal Ashby, com Peter Sellers e Shirley MacLaine. Foi por isso que ele colocou a grande Shirley no papel de sua mãe, isto é, da mãe de seu personagem? “Só se tiver sido de forma inconsciente, para reforçar minha admiração pelo filme.

Shirley é uma grande atriz, e eu precisava de alguém que imediatamente trouxesse para o espectador uma história. A personagem é pequena, mas importante, eu diria decisiva. A solução final do roteiro passa por ela. Sem tempo para detalhar a personagem, o que a gente faz? Chama alguém que tem uma história própria.”

É o que também ocorre com Sean Penn. Ele é o estopim para a grande viagem de Walter, quando a imagem fixa da foto adquire movimento e a mão de Penn faz o chamamento – a imagem estava no trailer. Penn aparece pouquíssimo, mas não é exagero dizer que estes dez minutos são decisivos, não só para Walter Mitty, o filme, mas para a própria carreira do ex de Madonna e Robin Wright.

O repórter lembra a participação de Tom Cruise em Trovão Tropical. Ben Stiller pega astros e revela para o público e para eles mesmos aspectos inusitados de sua personalidade. “Vou tomar isso como um cumprimento, mas estamos falando de gente que ocupa o panteão no imaginário do público de todo o mundo. Tom carregou na paródia, Sean foi discretíssimo, minimalista. Percebeu que só sua persona já construiria a mágica do personagem. Sim, eu concordo. São momentos preciosos. Teria gostado mesmo se não fosse o diretor.”

A volta ao mundo de Walter levou Ben Stiller a filmar em lugares que nem sabia que existia. Por um breve instante, ele chegou a ver a aurora boreal. “É fantástico, você se sente transportado, pena que dure tão pouco.” O repórter diz que a paisagem, que muda a toda hora, termina virando personagem justamente por essa diversidade que se integra ao jogo de máscaras. “Nisso também estou de acordo. O filme terminou saindo caro por causa dessa volta ao mundo, mas não seria a mesma coisa, se a evolução de Walter não passasse por todas essas paisagens impressionantes.”

O filme viaja com o protagonista, mas seu objeto de interesse é a colega que está ali, ao lado dele. Kristen Wig é quem faz o papel. Você a conhece. Kristen faz parte do elenco “quase” fixo das comédias de Judd Apatow. “Não queria uma atriz glamourosa no papel, mas Kristen tem a exata medida de beleza e humanidade para justificar a atraçãso de Walter. E o bom é que Kristen é uma e é múltipla. Ela interpreta, coproduz, até escreve. Foi ótimo trabalhar com todos esses atores que não só fazem como vivem cinema. Não creio que A Vida Secreta vá repetir as receitas de Trovão Tropical. Seu recorte é mais intimista, delicado, mas é um filme com o qual estou muito satisfeito.” O desfecho, você vai ver, é uma homenagem ao homem comum. “Não sei se você sabe, mas houve um tempo, depois da publicação da história original, em que o nome Walter Mitty se tornou um símbolo, como John Doe. Virou sinônimo de sonhador, mas de forma pejorativa. Quis ir na contramão. Espero ter conseguido.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Voltar ao topo