Bandeiras paranistas

(Recepção ao acadêmico Rui Cavalin Pinto)

Não é mera coincidência abrirem-se as portas da Academia Paranaense de Letras nestas salas históricas do Círculo de Estudos Bandeirantes. Aqui apeia com a sua rica bagagem um dos comandantes, Rui Pinto, que nos trabalhos literários e jurídicos assina Rui Cavalin Pinto. Rui, seu nome, é um paradigma.

Revela em si a nobreza de ideais do casal típico paranaense: José Maria Pinto, morretense; Amália Cavalin Pinto, lapiana. O filho Rui faz jus ao paradigma e diploma-se em Direito no ano de l953. Então parte dos portais da Universidade Federal do Paraná, numa de nossas bandeiras culturais, em direção ao recém-descoberto Eldorado norte-paranaense. Há décadas formavam-se bandeiras paranistas que nas regiões de novos povoamentos asseguravam a integridade estadual. Compunham-nas homens e mulheres de todas as classes e profissões, mas à vanguarda o professorado, promotores, juízes, graduados liberais e o pessoal da administração pública. Propagavam não apenas o saber, porém muito mais um sentimento que contagiou o território: o sentimento de paranaensidade.

Pode-se dizer que, ainda no presente, a Academia Paranaense de Letras, sob o comando de Túlio Vargas, é uma bandeira cultural a difundir centros de letras, artes e ciências, em todas as regiões do Estado. Há muito por fazer, até mesmo na capital universitária que, pelo comandante Rafael Greca de Macedo foi iluminada com os Faróis do Saber.

Rui iniciou a trajetória de mestre em Apucarana, no Ginásio “Nilo Cairo”, na Escola Normal “Övídio Necroly” e Escola do Comércio. Lecionou durante mais de vinte anos. É também Professor Catedrático de História Econômica Geral e Formação Econômica do Brasil, matéria ministrada durante 17 anos na Faculdade Estadual de Ciências Econômicas. Só veio a encerrar a sua carreira na cátedra de Estudos de Problemas Brasileiros na Faculdade de Educação Musical do Paraná, em Curitiba. Na cidade de Apucarana contraíra núpcias com Laís Felippu Pinto, também professora e artista plástica. No Ministério Público, ingressou como promotor substituto, no ano de l956, em Arapongas. Concursado, tornou-se titular das comarcas de Marilândia do Sul, Francisco Beltrão, Peabiru e Apucarana. Esta se tornou o principal centro de suas atividades. Promovido para Curitiba em 1980, passou ao cargo de Procurador de Justiça em l986, com atuação relevante nos órgãos superiores e, inclusive, de assessor no Tribunal de Alçada e no Tribunal de Justiça. No momento é membro de Comissão do Memorial, presidida pelo cordial e dedicado procurador Nilton Marcos Carias de Oliveira.

Rui foi bandeirante do saber e semeou direito e justiça na fértil faixa de terras roxas em que brotavam ou floresciam as povoações. Nas adjacências o Estado favorecera fraude nas titulações de terras devolutas. Nestas, prevaleceram companhias usurpadoras de direito, espoliando lavradores, lesando o poder público; ou predominavam fazendas nos velhos moldes da servidão. Precedendo-o na região, assisti em direção a estas, às caravanas de famílias camponesas em “paus-de-arara” das penosas viagens sob nuvens de poeira ou nas estradas lamacentas, arrebanhadas nas plagas de flagelos. Uma família inteira, plantando e carpindo de lua a lua, recebia uma só mesada em vales, inferior a um salário mínimo. Houvera a revolta de Porecatu, mas Bento Munhoz da Rocha Neto fora candidato ao governo, prometera solução dos problemas sociais em conseqüência da política de terras. Eleito, resolveu o de Porecatu e procurou por um fim à apropriação fraudulenta e à violência no campo. O exercício do Ministério Público é uma escola de humanidades, de justiça e eqüidade, de preservação dos valores que constituem a dignidade humana. Estes, as virtudes cultuadas desde a Era Helenística e, antes da decadência, no Império Romano. Afinal, são perenes. Em sua função de eminência social, quanto na defesa de ofendidos, reparando violações, representando a sociedade, postulante de justiça, fiel da lei, é dado ao agente a intuição de um conhecimento com o qual se renovam e se reformulam os conceitos. A ordem e o direito evoluem, como tudo no universo. Ao considerar sagrado o direito à vida, à liberdade, à proteção, e o de propriedade, pude compreender que o direito não garantido a todos, direito deixa de ser, tornando-se privilégio a gerar multidão de pobres e excluídos. Esta é convicção própria, que assumo. No entanto, já integra a consciência nacional ao revelar-se na Constituição pelos princípios fundamentais, relevada a dignidade da pessoa, a prevalência dos direitos humanos, a inviolabilidade, e que a propriedade atende a sua função social. Mais claramente, ainda, em seus objetivos fundamentais, ressaltando-se o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária. E é com essa orientação de humanismo que confere autonomia, independência ao Ministério Público, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Em suma: o direito deixará de ter o caráter de expectativa para grande parte do povo, e de privilégio para outra menor, na medida em que no Brasil e no mundo evoluirmos para uma sociedade livre, justa e solidária.

Na posse de Rui Cavalin Pinto mantenho a afinidade com a sua Cadeira. É ele mestre com méritos idênticos aos do patrono Generoso Marques dos Santos, do fundador Enéas Marques dos Santos e do primeiro ocupante Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Sobram-lhe qualidades para sucedê-los. O patrono é personagem real em meu romance Arcabuzes, o fundador Enéas Marques dos Santos e o primeiro ocupante foram meus professores na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, líder de gerações universitárias,ainda discursa em meu “Coreto de Papel” armado nas praças de retretas poéticas. Incentivaram- me as suas cartas.

Rui se destaca no magistério, no exercício do Ministério Público, em seus trabalhos jurídicos e literários. Com a palavra na tribuna, ou de pena em punho no gabinete, adquiriu elevado conceito no Estado. Ressalte-se o conhecimento de Filosofia, História, Direito, Arte e Literatura. Manteve colunas em jornais de várias comarcas. Na capital, por vários anos, a da sua instituição. Colabora em diversas revistas de cultura. Em seminários obteve aprovação às teses apresentadas. Tive a sua atenção à obra em que defendo como direito natural o de proteção, certamente origem e fundamento de todos. E quando ressaltou que, em Arcabuzes, a História prepondera sobre a estória, a medalha da História está no amor e no sentimento de Justiça, quem a move são os bons e humildes; que vejo o homem-povo como força geratriz da História. Criteriosamente, analisa com estilo obras de autores, a exemplo de Terra Vermelha, de Domingos Pellegrini. Em l999 publicou MP. História e Historietas, sagrou-se cronista e historiador do Ministério Público do Paraná. Elabora-lhe a história e prepara crônicas focalizando personalidades e episódios da vida cultural do Paraná e do Brasil.

As bandeiras culturais, além da integração, constroem a identidade paranaense. As caravanas passam abrindo caminhos, todos iluminados do Alto pelo Cruzeiro do Sul. No sesquicentenário, pequena fração de tempo num país, ainda somos pioneiros. Muitas deixaram fortins para defesa da língua, da cultura, de nossos valores e tradições. Aumenta a sua importância, pois foram tão intensas as migrações do mundo para cá, a miscigenação e o sincretismo, que o Paraná ficou do tamanho do Brasil.

Recepcionemos com salvas de palmas, tiros de bacamartes lá fora, a expedição de Rui Cavalin Pinto. A valiosa carga que descarrega nos galpões da Academia Paranaense de Letras, enriquecendo-a, é de ouro e de esmeraldas. Ouro do sol que em Apucarana fica mais perto; e de esmeraldas das minas recém-descobertas em nossos verdes campos e verdes montanhas, em nossos rincões de esperanças.

No mesmo valor, venha agora receber em troca a láurea nesta salas históricas, bem-vindo a uma das cadeiras de grandes mestres!

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