Atriz Liv Ullmann completa 75 anos

Poucas das (grandes) atrizes de Ingmar Bergman fizeram carreira fora da Suécia. Ingrid Thulin filmou em Hollywood, com Vincente Minnelli (Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse) e na Itália, com Luchino Visconti (Os Deuses Malditos) e Mauro Bolognini (Agostino). Uma carreira internacional de prestígio, com certeza. Liv Ullman também filmou em Hollywood, mas o cinemão nunca soube o que fazer com ela, uma mulher bela e uma atriz intensa. Liv fez nos EUA a comédia 40 Quilates e o remake de Horizonte Perdido, dois filmes tolos que não lhe acrescentaram nada – exceto, talvez, uma lição sobre o que não deveria fazer.

Pode ser que ela esteja nesta terça-feira, 16, se lembrando dessas coisas, nesses dia especial. Mas há controvérsia – Liv faz hoje 75 ou 76 anos? Algumas fontes dizem que elas nasceu em 16 de dezembro de 1939, outras que foi em 1938. O que não há dúvida é que ela nasceu em Tóquio, de pais noruegueses, filha de um engenheiro da Noruega que trabalhava no Japão. Possui dupla cidadania – japonesa e norueguesa. Estudou em Oslo, foi lá que se tornou atriz de teatro. Interpretou Ofélia (Hamlet), Margarida (Fausto).

Em 1966, aos 27 ou 28 anos, houve o encontro que mudou sua vida. Liv encontrou o diretor sueco de teatro e cinema Ingmar Bergman. Ele não lhe ofereceu apenas grandes papéis em grandes filmes. Fez dela sua mulher – entre 1966 e 71. Tiveram uma filha, Linn Ullmann, que é escritora.

Mesmo depois que se separaram, e Bergman casou-se com outra, e mais uma, Liv ficou sempre por perto, como atriz e amiga. Quando ele se aposentou e decidiu que não queria mais dirigir – uma decisão da qual, às vezes, voltava atrás -, ela realizava seus roteiros. Foi uma linda história de amor – e amizade, companheirismo. Inspirou um documentário. Os dez filmes que fizeram juntos compõem uma espécie de Bíblia do cinéfilo, de Persona/Quando Duas Mulheres Pecam a O Ovo da Serpente, que parecia o (um) fim, mas depois veio Sarabanda. Entre esses extremos – A Hora do Lobo, Vergonha, A Paixão de Ana, Gritos e Sussurros, Cenas de Um Casamento, Sonata de Outono. Por meio das personagens que Liv interpretou para ele, Bergman dissecou a complexidade femininas diante da câmera. Mulheres infantis, caprichosas, maduras, amarguradas, sensuais.

Ela é um pouco uma mulher-criança em Gritos e Sussurros, uma mulher frustrada que ainda busca se afirmar em Cenas de Um Casamento. A soma das duas em Sonata de Outono. Em seu único filme com Ingrid Bergman, a grande atriz – sueca, como ele – que virou estrela em Hollywood, Bergman fez dela uma grande pianista. A filha também toca piano, mas vive às sombra da mãe. Resolve tocar para ela. A mãe, uma artista, sem a menor sensibilidade, não gosta do que ouve e resolve mostrar à filha como deveria ter tocado. É um grande momento de cinema, dilacerante (pungente) pela crueldade.

Crueldade? Nessa época de politicamente correto, a mãe que não gosta da filha é uma personagem talvez desprezível pelas cartilhas do bom comportamento – a Liv de Sonata de Outono poderia levar sua mãe ao tribunal, por abuso -, mas Bergman sempre entendeu a natureza humana, o mal que as pessoas fazem aos outros e a elas mesmas. Além dele, Liv teve o privilégio de trabalhar com outros bons (grandes?) diretores – Jan Toell, com quem fez Os Emigrantes e Esposa Prometida, Mario Momnicelli (em Tomara Que Seja Mulher) e Sven Nykvist. O grande diretor de fotografia de Bergman e Woody Allen fez poucos e grandes filmes, de um rigor absoluto. Liv é impressionante em O Boi.

Em 1980, ela foi nomeada embaixadora do Unicef. Em 1975, havia escrito Mutações. Dez anos depois, surgiu outro livro – Opções. São obras confessionais.

Em São Paulo, anos atrás – Ingmar Bergman ainda estava vivo -, Liv contou ao repórter que, quando se (re)encontravam, andavam de mãos dadas, naturalmente, mas que era difícil, para ambos, verbalizar os sentimentos, as sensações. Já era assim nos filmes, com as mulheres que ele lhe dava para interpretar. Liv, naturalmente, com o tempo, foi se desinteressando do cinema. Como explicou numa entrevista – “Cada vez mais, os filmes são falsos, guiados pelo dinheiro.” E ela acrescentava. “Sou do tempo da película. O que a luz gravava, era eterno. Hoje, com o digital, pode-se retocar tudo, até a interpretação.” Apesar do tempo implacável, ela ainda é uma bela mulher.

Prefere-se assim, com marcas. Não conseguiria botocar-se, como diz.

São muitas emoções, ao longo dessa vida prodigiosa – de atriz, mulher, mãe, embaixadora, escritora. Alguns momentos ficaram com ela. O encontro de Bergman com Woody Allen em Nova York. Liv se apresentava no teatro, Bergman foi vê-la, Woody Allen, que venerava o diretor sueco, também. Foram jantar. Ingmar e Woody, tímidos, ficaram silenciosos na maior parte do tempo. Mas não foi ruim. Era um silêncio de admiração (mútua), de respeito. No cinema, como na vida, o silêncio pode ser de ouro. Bergman sabia disso. Liv, sua discípula, também sabe. Talvez por isso, hoje, ela não queira falar desses 75 ou 76 anos. Não precisa. Parte deles nos pertencem. A nós, que a amamos.

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