Até que a realidade os separe

No começo tudo são flores. Presentes, longas caminhadas sob o luar com papo interessante e muito riso solto. Ele, um verdadeiro gentleman, faz todas as suas vontades, adivinha até mesmo os mais profundo pensamentos. Tudo que possa causar alguma discussão é resolvido com uma longa, pacífica e animada conversa, regada com um bom vinho, geralmente à luz de velas. Maravilha das maravilhas, o paraíso existe, e é bem aqui.

Ela como não poderia deixar de ser para que o paraíso fosse completo é a mulher perfeita: aceita com um carisma incomparável suas idéias e amigos. Considera o futebol aos sábados uma necessidade quase que vital. O chopinho no fim do expediente também não enfrenta restrições, podendo ocupar a pauta da programação da semana por vários dias. A moça é tão especial e diferente que até considera a possibilidade de ter a mãe do cavalheiro sempre por perto como um agradável desafio de convivência pacífica.

Esse casal, assim tão apaixonado e feliz resolve depois de um longo namoro cheio das mais belas realizações e apoio mútuo que é hora de subir ao altar, é o momento exato de dizerem o SIM para todo o sempre. Quando o dia marcado chega a cerimônia é realizada com toda a pompa e circunstância: amigos reunidos, familiares emocionados, festa e longas declarações públicas de amor e fidelidade mútua e eterna. Enfim casados!

Lua-de-mel. Lugar paradisíaco de paz e sossego. Fora da rotina do dia a dia foram descobrindo como realmente era incrível a companhia um do outro. Tudo realmente perfeito, haviam feito a escolha correta. Em casa, nova realidade, nova vida enfim. Ao lado do bem-amado tudo continuava às mil maravilhas. Até que a felicidade conjugal completou quatro meses e em uma bela tarde ensolarada de sábado o futebol pareceu ter se tornado um compromisso completamente desnecessário, era dia de visitar a mamãe. Se ela havia se esquecido que a partida de futebol era necessidade vital? Não. Simplesmente achava que ele deveria assumir uma outra postura, afinal estavam casados, era preciso negociar os programas. De um minuto para o outro seus amigos transformaram-se em pessoas totalmente desinteressantes, e suas idéias sobre qualquer que fosse o assunto, as mais sem sentido que já passaram sobre a terra. As saídas com os amigos após o expediente transformaram-se em motivo de verdadeiras batalhas com muita gritaria e protesto organizado. Ele passou a se sentir completamente traído, perdera a privacidade e via sua vida até então bela e harmoniosa ser invadida cada dia um pouquinho e seu sossego ir embora gradativamente. O paraíso mudara e não deixara endereço e a mulher maravilhosa tornara-se insatisfeita e insaciável, falando sem parar, reivindicando como direito adquirido por ocasião do casamento cada milésimo de segundo de seu tempo e energia. E o pior que tudo isso aos berros e com invasões quase sempre desordenadas.

Como o gentleman em questão, Lula deveria prever que assim como a mulher maravilhosa o Movimento dos Sem- Terra só se manteria em silêncio até se sentir seguro, até se sentir casado!

Vívian Antunes

é professora de História.

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