As filhas de Discórdia

Zeus andava abichornado, não sabia bem o por quê, mas andava. Nem aquelas viagens de consultoria que costumava fazer a Roma, onde os romanos estavam querendo criar sua própria Mitologia e ele participava de orgias com Baco e suas bacantes o estavam alegrando.

É que Hera, sua mulher, adquirira o hábito de fazer reuniões com amigas e Zeus sabia que, em reunião de mulher, o prato principal era baixar sarrafo em homens.

Tinha razão o presidente do Olimpo. Considerado no meio um “galinha” de grife, Zeus sabia que Hera tinha anotados 17 pulos de cerca que andara praticando com mulheres olímpicas, entre nuvens e estrelas.

Mais desconfiado que bode em canôa, Zeus torceu o heráldico nariz quando Hera convocou uma reunião com suas amigas Atena, Ártemis, Afrodite, Volúpia, Deméter e Perséfone. Ia sobrar pra ele, imaginava.

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Discórdia era uma deusa de baixo clero, ranhêta, e encardida como ela só. Deram-lhe o apelido de “Heloisa Helênica”, o que fazia Ares, filho de Zeus e Hera, deus da Guerra, mais conhecido como “Itamares”, rir das pauleiras que Discórdia armava.

Agora, no caso momento, Discórdia estava uma arara porque Hera não a convidara para a reunião com as amigas. Resolveu meter a colher no assunto.

Chamou Apolo, que só vivia desfilando a própria beleza pelo Olimpo inteiro, e deu-lhe u’a maçã, dizendo: Menino, vá lá onde elas estão tricotando fofócas e ofereça esta maçã à mais bela.

Inocentão, Apolo entrou na roda das mulheres e disse: Ofereço esta maçã à mais bela!

Pra quê? O mulherio se engalfinhou quenem solteirona pra apanhar buquê de noiva. Todas queriam para si o que ficou conhecido como “o pomo de Discórdia”.

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Tomando já várias taças de hidromel (a bebida oficial do Olimpo, mistura de água e mel que Dionísio, o deus do vinho, considerava uma zurrapa laxante) Zeus se preocupava, agora, com Discórdia.

Fôra informado pela AIO-Agência de Informações do Olimpo que Discórdia estava grávida de Eros cuja característica era estar sempre insatisfeito e inquieto e que, num lance de bobeira em fim de tarde, enxertara a deusinha.

Zeus sabia que, de cabeça de juiz e boca de advogado nunca se sabe o que vem, imaginava só o que sairia da barriga de alguém como Discórdia.

Com essa, pelo menos, Zeus sabia que Hera, a Primeira Dama do Olimpo, tinha certeza de que o marido não andara de rôlo.

Pelas dúvidas, Zeus chamou o filho Saturno e refêz a ordem para que o pimpôlho continuasse devorando bebês machos que nascessem, evitando que estes viessem a pôr em risco seu trono. Quanto a menina nascentes, deixa pra lá. O máximo que poderiam fazer era fundar partidinhos nanicos, desses que produzem mais fumaça do que fôgo e nunca aborrecerão de verdade a Presidência Olímpica, mesmo fazendo coligações.

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Discórdia acabou parindo duas meninas. Deu às gêmeas os nomes de Cobiça e Ganância. As meninas iam crescendo sob os olhos e os ensinamentos da mãe e já demonstravam habilidades para lidar com sêres humanos, sabidamente frágeis e ingênuos.

Cobiça e Ganância estavam se especializando em solapar vidas, reputações, dignidades, honras e passados, laços de amizade e parentesco, vínculos familiares ascendentes, descendentes, colaterais e afins.

Seguindo as linhas de suas programações genéticas Cobiça demonstrava ser mais esperta que sua irmã Ganância. Era ela que primeiro provocava as ações. Ganância, mais ponderada e mais lenta, aguardava o momento de entrar em serviço. As duas levavam, às vezes, décadas para dar seus golpes, mas haviam herdado da mãe a paciência olímpica.

Para as filhas de Discórdia a missão era pôr as garras sobre famílias e seus membros, sócios de empresas, companheiros do dia-a-dia, partidos políticos, times de futebol, religiões, etc. O objetivo era que laços estabelecidos e celebrados durante anos viessem a ser rompidos com o estridor de canhões. Era a glória das meninas.

Cobiça, puxando Ganância pela mão, conseguia abrir trincheiras dentro das famílias nas quais se aboletavam com suas munições peçonhentas de maledicência, calúnias, mentiras, difamações e interesses que seus nomes despertavam. Com isso abalavam estruturas familiares e sociais que pareciam mais eternas que o bronze e o granito. Conseguiam fazer de relacionamentos afetivos e socialmente normais um monturo de lixo pútrido que os Homens acionavam na luta pelo Poder e por bens patrimoniais e materiais.

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Entretanto e ironicamente é comum as filhas de Discórdia perderem suas guerras.

Lá no Olimpo Cronos, o deus do Tempo, não tem pressa. Deixa que as sangrentas batalhas provocadas por Cobiça e Ganância se auto-eliminem.

Cronos faz isso com a ajuda de Palas Atenéa, Minerva, a Deusa da Justiça.

Wilson Silva

é jornalista e escritor.

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