Arquitetura perde Lelé, um mestre do seu ofício

Morreu nesta quarta-feira, 21, em Salvador, aos 82 anos, o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé. Ex-assistente de Oscar Niemeyer, ele sofria de câncer na próstata (um tipo raro, com metástase para o fígado) e estava internado havia três meses no Hospital Sarah Kubitschek, um dos muitos edifícios que idealizara. A doença já fustigava Lelé havia 2 anos e meio, e ele estava fazendo quimioterapia e tratamentos, mas estava em estágio terminal.

O corpo do arquiteto seria velado até as 18h30 no Centro Administrativo de Salvador (outro projeto de Lelé) e seria embalsamado e enviado para Brasília às 7h30 desta quinta-feira, 22, onde seria sepultado na Ala dos Pioneiros da Construção de Brasília, no cemitério local.

Entre as últimas obras do arquiteto, estão a Passarela do Centro Histórico de Salvador e o Memorial Darcy Ribeiro. A filha do arquiteto, Adriana Rabello Filgueiras Lima, também arquiteta e que dirigia o Instituto Habitat, criado pelo pai, disse ao jornal O Estado de S.Paulo que Lelé foi “um gênio” tão grande quanto Oscar Niemeyer. “Tenho uma admiração enorme pelo trabalho do meu pai”, afirmou ela, que deixou a coordenação das obras da Rede Sarah de hospitais para cuidar do legado dele.

Adriana ressalva que Lelé também foi um tanto incompreendido – reclama que certos gestores são incapazes de compreenderem certas decisões técnicas do mestre. Em Salvador, por exemplo, executores da obra do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) querem eliminar todo o sistema de ventilação natural projetado por Lelé.

A ministra da Cultura, Marta Suplicy, afirmou que ele “deixou um legado não só na arquitetura, mas a todos que desejam dar à sua profissão um olhar inovador e voltado aos que mais necessitam”. Para o arquiteto Marcelo Carvalho Ferraz, “Lelé encarnava o ideal do arquiteto completo, dos primeiros sonhos que embalam o bom projeto ao rigor da construção no controle industrial de qualidade. Tomou a arquitetura ferramenta de atuação e transformação do mundo, na busca de conforto para as pessoas e comunidades inteiras”.

O apelido de Lelé veio de um meia direita do Vasco lá dos idos de 1947, 1948. Na época, João Filgueiras jogava no juvenil do clube carioca e acabou herdando o apelido. Lelé se empenhou, ao longo de sua vida inteira, a demonstrar que, na arquitetura, materiais pré-fabricados e artefatos industriais podem servir à plasticidade e à criatividade humanas. Sua obra foi amplamente reconhecida. Foi escolhido o melhor arquiteto da América Latina na 9ª Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, teve sala especial na Bienal de São Paulo, além de ter representado

o Brasil na 7.ª Bienal de Arquitetura de Veneza.

Carioca do Encantado (mas cidadão baiano de coração), em entrevista ao Estado, relembrou sua carreira desde o início, desde quando lhe deram o nome do jogador de futebol com o qual o comparavam (“Ele jogava bem, eu jogava mal. Eu era um perna-de-pau”). Ele contava que, jovem estudante, se ofereceu a Oscar Niemeyer como voluntário para a construção de Brasília. Não foi difícil, ele conta. “Carioca tinha horror à ideia de ir para Brasília. Tinha de pegar voluntário a laço.”

Ele foi um dos primeiros a chegar à nova capital federal. Nem alojamento para os trabalhadores existia. Lelé fazia uma função parecida com a de engenheiro de obra e foi o encarregado de construir as instalações para os operários. Chegava a entrar em buracos de 30 metros de profundidade. “Acho que essa coisa de arquiteto foi uma casualidade em minha vida, um acidente, como outros acidentes”, afirmou.

Depois das obras de Brasília, tornou-se auxiliar de Darcy Ribeiro, então reitor da Universidade de Brasília, e passou a coordenar os cursos de graduação da UnB. Com o recrudescimento do regime militar no governo Médici, foi afastado da universidade.

Nos últimos anos, Lelé passou a atuar quase que exclusivamente como coordenador técnico da parte física da Rede Sarah de hospitais, considerada revolucionária. Era um dos notáveis de uma geração. Segundo Lelé, a arquitetura faraônica cheia de pastiches como a de Dubai deveria ser evitada. “Evidentemente eles fazem aquilo porque eles têm muito dinheiro para gastar. Eu diria que esses edifícios são proezas arquitetônicas. Há proezas bonitas e feias. É preciso separar o joio do trigo”.

“As obras que Lelé projetou em Salvador ajudaram a consolidar o perfil cosmopolita da cidade”, afirmou o prefeito da capital baiana, Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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