AR é um álbum de linguagem solta

As parcerias que funcionam são as que ganham vida própria. O que nascerá dali não terá necessariamente o sotaque de um ou de outro, mas ganhará linguagem própria. Assim acredita Renato Teixeira, e foi o que ele começou a sentir pelos seis anos em que trabalhou ao lado de Almir Sater em um disco que desvia ligeiramente de seus álbuns solos por vias paralelas.

AR é um álbum de linguagem solta, sem pretensões maiores, ou sem pretensão alguma. “Começamos a fazer as músicas para nós mesmos. Não estávamos esperando nada por isso”, diz Almir Sater. “Ficamos seis anos com esse material, até que decidimos jogá-lo nas mãos do Eric Silver (produtor norte-americano)”, lembra Renato Teixeira.

Eric apareceu com duas funções: deu a costura e um prazo. “Ele fez o disco acontecer”, diz Almir. Mais do que isso, imprimiu um diálogo inédito no álbum, entre a música do campo brasileira e a música country norte-americana. E fica claro que tudo é uma questão de arranjo. Uma mesma canção, como a abertura de D de Destino, poderia ser mais ou menos caipira se não tivesse o órgão Hammond B3 de Mike Rojas, a sensacional linha de baixo do próprio produtor Eric Silver, a bateria de Wayne Killius ou os vocais de Tania Hancheroff e Vicky Hampton, todos norte-americanos. É a forma de tratar a música que a faz mais ligada a um ou outro território.

A alma que o disco vai ganhando é a de um gênero que também fala português chamado folk, que surge em sua origem da ideia de folclore. E aparece no momento em que uma cena nova e rica de canções cheias de verdade, embaladas por violões com cordas de aço, pianos e vozes em coro, é fortalecida em São Paulo por nomes como Nô Stopa, Renato Godá, Folk na Kombi, Chico Teixeira (filho de Renato) e Wilson Teixeira (mais sertanejo). Se fosse mesmo um movimento, Almir e Renato, mais Zé Geraldo e Sá Rodrix & Guarabira, seriam seus precursores no Brasil.

De qualquer forma, não é como um disco de folk que Almir Sater “enxerga” o que ouve em AR. “Não me parece country nem caipira… Não sei… Fomos buscando nossas influências e a coisa foi tomando essa forma.” Ele diz que perdeu a conta das vezes em que ouviu D de Distância quando recebeu o áudio do produtor Eric Silver, que finalizou o material em Nashville, nos Estados Unidos. “Eu estava na estrada, em uma viagem longa, e não consegui parar de ouvir.”

Renato prefere passar o resultado do disco por um outro filtro. Ele acredita no folk moderno como uma espécie de terceira via para a música do campo, nem na extremidade do caipirismo clássico nem na ponta do sertanejo romântico e urbano, mas percebe mais o rock dos anos 1970 dando as cartas. E tem bons argumentos para isso. A mesma D de Destino é, para ele, um rock.

Almir fala de um aspecto curioso de sua formação, algo que fica mais evidente agora. A música caipira, sobretudo a de Tião Carreiro e Pardinho, conta com sua reverência eterna, mas ele mesmo não é um exemplo de ouvinte das modas de viola. “As pessoas não sabem, mas gosto muito do rock and roll que os ingleses faziam nos anos 70”. Ele cita Eric Clapton, John Mayall e seus Bluesbrakers, Marc Knopfler e Jethro Tull. Sua viola tem em AR uma intenção muitas vezes de guitarra ou de violão. Ela cria climas no acompanhamento, mas raramente rasqueia ou faz solos.

Uma outra canção de destaque faz da Festa de Santo Reis uma balada roqueira setentista. Noite dos Sinos, cantada por Almir, é de elevar o ouvinte a dois pés acima do chão. Um clima que produtores americanos são mestres em criar na música country, com uma liberdade envolvente de pianos, violões, órgão Hammond e vozes, mais baixo, bateria e bandolim. Ao vivo, deve virar uma daquelas orações redentoras.

Bicho Feio é outro ponto de conexão entre as linguagens em comum de dois países que nem falam o mesmo idioma. Almir faz um arpejo em escala menor, com frases ágeis, que lembra muito o blueglass americano. E o melhor é que ele nem havia percebido isso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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