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Após 4 anos sem disco de inéditas, Nando Reis lança ‘Jardim Pomar’

Poucos são os compositores capazes de escrever sobre temas complexos e reflexivos de forma tão leve e sucinta. Nando Reis lidera esse quesito com maestria. Ao receber a reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” em sua casa, na zona oeste de São Paulo, para falar sobre Jardim Pomar, seu novo disco de inéditas depois de quatro anos, o músico mostra serenidade para escolher cada palavra. A tranquilidade de espírito fica evidente quando uma tempestade ameaça desabar repentinamente numa abafada tarde de segunda-feira e chega a interromper a entrevista por alguns minutos. “Podemos fazer as fotos agora, o que acha?”, diz, levantando-se calmamente de uma das cadeiras de palha do extenso quintal.

Algumas músicas de Jardim Pomar, o 14.º disco da carreira solo de Nando Reis, são verdadeiros tormentos e questionamentos peculiares. Um inferno astral camuflado de baladas românticas e melodias suaves. “Fazer música é uma forma de organizar o meu pensamento, de tentar formulá-lo. Não tem explicação, obviamente. Compor é botar em palavras um sentimento intenso e doloroso. Por isso, eu escrevo muito sobre coisas que aconteceram comigo. Falo sobre a morte, o tempo e a existência de Deus. Isso não significa que eu esteja deprimido. Me sinto absolutamente feliz, embora muitas dessas músicas tenham sido escritas em momentos de profunda tristeza e dificuldade”, revela.

Das 13 composições de Jardim Pomar, 12 são inéditas. A exceção é Concórdia, canção composta por Nando Reis em meados da década de 1990 e gravada por Elza Soares em 2006. O novo trabalho mostra um compositor mais centrado e de letras consistentes. Isso, claro, não anula sua essência tradicionalmente pop. Só Posso Dizer, primeiro single do CD, tocado exaustivamente nas rádios de todo o País, resume bem a carreira de Nando Reis. A música, que acabou ganhando duas versões (uma gravada em Seattle, nos EUA, e outra no Brasil), já nasceu com status de hit. Os acordes fáceis, colocados numa sequência não tão lógica, somados aos versos de magnitude simplória, a transformam na verdadeira pérola de Jardim Pomar.

“Quando compus essa música, há dois ou três anos, eu pensei: poxa, essa é bonita. Tenho um bom single. Dá aquele estalo. O refrão dela é claro e emocionante. Escrevi a letra num momento de grande tristeza. É uma música simples em termos de harmonia. Lembro que o guitarrista que a gravou, lá em Seattle, teve uma dificuldade enorme de memorização das notas. Eu não entendia o porquê. Depois o Barrett Martins (produtor norte-americano) falou que ninguém hoje em dia fazia uma música como aquela porque ela era simples. Tinha começo, meio e fim. Após gravá-la nos Estados Unidos, eu a achei lenta. Não queria uma baladona de rádio. Não era para soar daquela forma. Minha intenção era compor uma versão mais pop e acelerada. Foi o que fiz. Por isso duas versões.”

Além das inúmeras reflexões e letras melancólicas, o disco conta com boas baladas e declarações explícitas de amor. A faixa 4 de Março, a melhor do álbum, faz uma verdadeira homenagem à mulher, Vânia. A música é direta, objetiva e conta toda a história do casal, que, entre muitas idas e vindas, está junto há mais de 30 anos. “O significado da data, no entanto, eu jamais vou revelar. Isso eu não conto. É um fato que ocorreu só entre nós, uma coisa pessoal. Algo que tem um peso gigantesco para a nossa relação. A Sofia, minha filha, diz que toda vez que ouve, chora. A canção é muito descritiva”, desabafa Nando Reis.

A tradicional parceria com Samuel Rosa, do Skank, também está presente no novo trabalho. Em Como Somos, única composição do trabalho que não é só de autoria de Nando Reis, Samuel preparou a melodia enquanto o ex-Titã escreveu a letra. “Pela primeira vez na história, o Samuel não gostou de uma letra que fiz. Ele disse que não tinha nada a ver. Fiquei passado quando ele disse isso. Ele falou com todas as letras que estava uma m… Pensei que realmente tivesse alguma coisa errada ali. Daí eu me empenhei em escrever uma letra completamente diferente. O Samuel sempre tem razão. A história era boba. A segunda tentativa saiu muito melhor. Fala sobre a passagem do tempo, o começo, o meio e o fim com os diferentes ciclos. Quando ele disse que não havia gostado, fiquei quatro dias preso no quarto até terminar. Minha família queria me matar. Eu estava com a macaca.”

Enquanto em Sei (2012), seu último trabalho de estúdio, Nando aparenta estar confinado em mundo soturno e melancólico, em Jardim Pomar, o compositor desperta de um período sombrio e trata com leveza de assuntos pesados. “Tratando-se de música, não existe o que o Nando Reis quis dizer. Isso não serve para nada. Eu parto do pressuposto de que, se existe a liberdade de expressão, existe a liberdade de interpretação. Eu não faço música como mensagem. Detesto música messiânica. É surpreendente que uma canção como O Segundo Sol, com uma letra tão forte, tenha se tornado hit. Uma vez me perguntaram como um cara como eu tinha escrito Relicário e, ao mesmo tempo, feito uma rima tão pobre com amor e calor em Do Seu Lado. O fato de amor rimar com calor não significa que ela seja pobre. Enfim, eu gosto de fazer sucesso e, claro, que minhas músicas façam sucesso. Isso realiza um desejo que eu tenho, que é o de me comunicar com um grande número de pessoas”, conclui.

NANDO REIS

‘Jardim Pomar’

Selo Relicário; R$ 24,90

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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