André de Barros, benemérito da Santa Casa

O prático-farmacêutico André de Barros foi provedor da Santa Casa de Curitiba no período de 1920 a 1922. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba festejou, no último dia 9 de junho, 150 anos de fundação. Hoje, a instituição integra o complexo hospitalar formado pela Aliança Saúde da Pontificia Universidade Católica do Paraná. Durante sua gestão, André de Barros foi incansável e zeloso. Conseguiu melhoramentos apreciáveis e deu início à instalação de um laboratório de análises clínicas, que seria o embrião do atual.

Foi muito popular na cidade. Contam que passava horas a fio ouvindo queixas dos doentes que o procuravam para que indicasse os remédios por ele mesmo preparados. Talvez seja essa uma faceta estranha para os nossos dias, mas tal procedimento o fazia, cada vez mais, chegar-se aos simplórios e assíduos fregueses. Ou clientes? É sabido que na cidade de André de Barros era a pessoa que atendia ao maior número de doentes, desde crianças com sarampo até velhos surdos; desde braços destroncados de crianças travessas ao mal da urinas dos trôpegos.

Em 1923, Augusto Gonçalves Loureiro, vice-provedor no exercício da provedoria da Santa Casa, apresentou os relatórios referentes dos dois anos anteriores, justificando, como ele mesmo o disse, por motivo de moléstia o nosso provedor, André de Barros. Os pontos abordados no relatório são basicamente os mesmos de todos os anos, salvo uma e outra ocorrência de caráter especial. Assim, quanto ao patrimônio, diz ele que evoluiu em mais de quinhentos contos face às avaliações das propriedades da Irmandade. Não houvera donativo algum.

André Pinto de Barros, filho de Miguel Pinto de Barros e Gabriela Ferreira dos Santos, nasceu na Vila da Conceição do Norte, então Província de Goiás, em 1955. Aprendeu a ler, escrever e contar em sua cidade natal. Ao entrar para o exército, serviu como enfermeiro num batalhão de infantaria, unidade que, depois da guerra com o Paraguai, foi deslocada para Curitiba.

Assim chegou o notável cidadão à capital do Paraná. Foi, então, transferido para a Enfermaria da Circunscrição Militar, órgão que daria origem ao Hospital Militar. Nessas funções, foi se afeiçoando ao preparo de remédios, conhecimentos que lhe seriam úteis no futuro. Antes da proclamação da República, deu baixa do Exército e abriu uma farmácia com bastante freguesia. Construiu um prédio na Rua da Assembléia, atual Dr. Muricy, cuja farmácia ali instalada possuía a razão social André & Carriel. Esse estabelecimento foi destruído por um incêndio de expressiva importância. O maior ocorrido em Curitiba, pois além de destruir diversas construções, causou incontáveis vítimas. Reconstruído o edifício e reinstalada a farmácia no mesmo local, André de Barros prosseguiu por conta própria.

André de Barros é descrito como pessoa de média estatura, cheia de corpo, pendendo para adiposo, olhos empapuçados desde moço, pele morena com fisionomia meia índia, meia mulata, e boca larga. Cabelos curtos com calva frontal, taciturno, raras vezes sorria, olhar triste e paciente. Popular e confiável, quando faleceu, em 1923, perto dos setenta anos, foi chorando por todos os que recebiam de suas mãos o amparo que atenuava seus padecimentos. Sua bondade era conhecida até fora dos limites da capital.

Ao sentir-se doente e já afastado de suas funções de provedor da Santa Casa, pediu ao amigo Gabriel Ribeiro, notário de Curitiba, que o orientasse para distribuir o seu legado, pois foi durante toda a vida parcimonioso nos gastos, amealhando por isso grande fortuna. Possivelmente, uma das maiores que o Paraná teve. Aberto o testamento, verificou-se que aquinhoou diversas pessoas de sua intimidade e auxiliares. Sua casa, por exemplo, situada na atual Praça Osório, foi legada à sua empregada doméstica, além de boa importância em dinheiro.

Muitas instituições de caridade e religiosas beneficiaram-se de sua lembrança: a Santa Casa de Misericórdia de Goiás, sua terra natal, a Santa Casa de Paranguá, o Asilo São Vicente e Paula da cidade da Lapa, a Sociedade de Socorro aos Necessitados, o Orfanato de São Luiz, Maternidade e Orfanato do Cajuru, o Albergue Noturno e a Cruz Vermelha do Paraná. Para a igreja do Senhor do Bom Jesus de Iguape deixou cinqüenta libras esterlinas em ouro, como pagamento de uma promessa.

O remanescente de seus bens, prédios, terrenos e títulos da dívida pública da União, foi legado à Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, o que na época representou fabuloso presente. Alguns registros dão esse valor como superior a 1.300:000$000 (mil e trezentos contos de réis), quantia esta capaz de solucionar todos os problemas que permanentemente afligiam os provedores da Santa Casa.

Sua memória foi honrada pela Irmandade. Seu retrato pintado a óleo foi colocado na galeria de honra do São Nobre. Seu busto de bronze permanece do jardim de entrada do hospital. Seu nome ainda aparece numa das alas do hospital, justamente a mesma que fora construída com os recursos que ele próprio legara. O túmulo do dr. André de Barros situado no lado Oeste do Cemitério Municipal São Francisco Xavier, quase junto ao portão lateral de entrada, é exornado por seu busto, um notável trabalho de autoria de João Turin. A edificação é imponente. Foi mandada fazer pelas Mesa Administrativa da Santa Casa, na ocasião.

A lei municipal n.º 621, de 30 de outubro de 1923, determinada que a Rua da Misericórdia, que começava num dos cantos da Santa Casa, passasse a ser denominada Rua André de Barros.

Valério Hoerner Júnior

é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pertence à Academia Paranaense de Letras.

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