Alguns personagens são tão fortes que transcendem as tramas onde nasceram

Odorico Paraguaçu, Zeca Diabo, Beto Rockfeller, João Coragem, Shazan e Xerife, José Leôncio, Isaura, Gabriela, Odete Roitman, Dona Beija, Vlad… Dificilmente seria possível reunir tantos personagens marcantes numa mesma telenovela. Mas, acima da imaginação de seus próprios criadores, eles parecem contracenar na memória do telespectador. São tipos inesquecíveis que compõem um mosaico de dramas, comédias, aventuras… Enredos diferentes de uma mesma trama: a história dos 40 anos da telenovela diária no Brasil.

“Tenho a impressão de que, na maioria dos casos, os chamados ?personagens memoráveis? são os que a gente chama de ?acidentes felizes?. As grandes criações nascem do inesperado”, analisa um inspirado Antônio Calmon, para quem um ?casting? perfeito pode funcionar tão bem quanto uma combinação inusitada.

Paulo Gracindo, por exemplo, interpretou mais de 20 personagens na televisão. Mas até hoje é lembrado como o prefeito Odorico Paraguaçu, de O Bem Amado, de 1973. Populista e corrupto mas, acima de tudo, cativante. Assim era o prefeito de Sucupira, que tinha por maior meta administrativa a inauguração do cemitério municipal. Só que, naquela fictícia cidade baiana criada por Dias Gomes, ninguém morria. Depois de quase 300 capítulos de riso e crítica social, o cangaceiro matador Zeca Diabo, vivido por Lima Duarte, é quem resolve a questão: mata o próprio Odorico no fim da novela, a primeira em cores do Brasil. “O Dias escreveu com alma cada personagem dessa novela. O Odorico já existia dentro do Paulo, assim como o Zeca era a cara do Lima Duarte”, acredita o diretor Régis Cardoso, que também dirigiu o seriado que começa com o prefeito ressuscitando. “Foram mais cinco anos no ar, de 1980 a 1985. Uma prova de que aqueles personagens eram mesmo imortais”, diz Régis, saudosista.

Carlão e Isaura

Imortal também parece ser o malandro Carlão vivido por Francisco Cuoco em Pecado Capital, de 1975. O taxista se apossa de uma mala cheira de dinheiro, fruto de um assalto a banco. É assassinado no último capítulo da novela de Janete Clair. Mas, segundo o próprio intérprete, nunca caiu no esquecimento. “Carlão era um homem simples da periferia, com suas carências, os seus sonhos, os seus pecados… Isso criou uma forte identificação com o povo brasileiro, do qual ele ainda é um digno representante”, valoriza o ator – que também participou do “remake” de Pecado Capital, em 1998, quando Eduardo Moscovis viveu o protagonista.

Nada comum, porém, foi Ana Jacinta de São José, mais conhecida por Dona Beija. A ousada cortesã ganhou vida na pele de Maitê Proença. Desde que protagonizou Dona Beija, exibida na Manchete em 1986, a atriz tem sido lembrada pelo papel. “É o trabalho do qual mais tenho orgulho. Abrimos mercado para os atores na Manchete e chegamos a marcar 40 pontos de audiência”, exalta. Dois anos antes, Maitê havia interpretado a amante de Dom Pedro I na minissérie Marquesa de Santos, também na Manchete. “Mas, na cabeça das pessoas, as duas se confundem. A Marquesa é chamada também de Dona Beija”, surpreende-se.

Lucélia Santos, por sua vez, jura que já foi reconhecida até no Himalaia por conta do sucesso internacional de Escrava Isaura, de Gilberto Braga. De fato, ela e Rubens de Falco, intérprete do malvado José Leôncio, foram aclamados em países como Polônia, Rússia, China, Espanha, Cuba e Croácia – onde há notícias de que a novela teria causado até interrupções na luta armada. Lucélia garante que já nem se importa mais de ser lembrada sempre em função da personagem. Mas há quem reclame disso. Beatriz Segall, por exemplo, não agüenta mais ouvir falar de Odete Roitman, a vilã-mor que interpretou na novela Vale Tudo, também de Gilberto Braga. “Não é que me sinta estigmatizada. Só acho muito chato ter de falar sempre do mesmo trabalho quando dou uma entrevista”, encerra o assunto, no mesmo tom seco da inesquecível personagem.

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