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Álbum ‘Vem’ é tão bom que exige de Mallu Magalhães se tornar uma cantora melhor

Mallu Magalhães reflete as forças do céu e do inferno que movem os cliques do universo. Pois as mesmas redes sociais que a revelaram quando ela tinha 15 anos cantando Tchubaruba, em 2008, e que a transformaram no primeiro caso de independência pop longe das gravadoras com quase 1,5 milhão de views no YouTube, agora a colocam no paredão. Mallu, protestam vozes indignadas, estaria reforçando preconceitos ao colocar dançarinos negros de torsos descobertos e movimentos sensualizados no vídeo de Você Não Presta. Seria a branquinha da classe média se divertindo ao revender a imagem objetificada do homem explorado.

A mesma patrulha voltou às ruas das redes dias depois, logo que Mallu foi ao programa de Fátima Bernardes, na Globo, e resolveu fazer um breve comentário de caráter sociológico enquanto tocava a introdução ao violão da mesma música, Você Não Presta. “Essa também é pra quem é preconceituoso e acha que branco não pode tocar samba.” Alguns risos aparecem ao fundo enquanto mais uma malhação era iniciada.

As discussões que tomaram o espaço no noticiário recente sobre Mallu não conseguiram, no entanto, sublimar o melhor feito artístico dessa cantora e compositora de 24 anos com tropeços verbais seguidos de julgamentos raivosos o suficiente para fazê-la mais forte. Seu primeiro passo para a relevância autoral é Vem, um disco que a distancia em qualidade da própria obra pregressa, apesar do já crescente Pitanga, de 2011, para aproximá-la de um futuro otimista. Produzido pelo marido Marcelo Camelo, com direção artística de Marcus Preto e arranjos em algumas faixas de Mario Adnet, Vem traz 12 músicas de autoria de Mallu.

Sobre a primeira polêmica do vídeo de Você Não Presta (a entrevista foi feita antes de ela aparecer no programa de Fátima Bernardes), Mallu diz o seguinte: “Aquela discussão foi produtiva. Pensando agora, com uma distância maior, penso que tenha sido também construtiva. Acho que, desde o início, ficou clara minha intenção, eu só queria os melhores dançarinos comigo. Eu sou o oposto disso tudo, de todo esse preconceito”, ela diz. Se reconhece algum equívoco no episódio? “Eu só queria fazer um clipe envolvente e convidativo, eu só queria agregar as pessoas, não separá-las.”

Apesar de ser fruto do mesmo meio usado agora para condená-la por uma atitude que ela mesma tenta entender, Mallu fala com tristeza, como alguém que não está habituada ao ódio. “Quando os comentários são feitos por haters (como são conhecidos internautas que postam agressividades sem critérios mais, digamos, profundos), esses posts não me atingem tanto. Mas, quando são críticas ou discussões que causam tanta repulsa, isso me faz sofrer, me faz triste, é mais que um ódio gratuito.” Mallu não desqualifica seus detratores. “É uma discussão saudável. Acho pouco provável que eu me arrependa de ir ao encontro do próximo e tentar compreendê-lo neste momento.”

São apenas nove anos desde que a menina de 15 apareceu com o sorriso fácil e os argumentos ainda em formação no programa de Serginho Groisman, o Altas Horas. Um casamento, uma filha, uma mudança de residência para Portugal e quatro álbuns depois, ela parece ter vivido dois anos em um, mas segue sob uma atmosfera doce. Mallu classifica o trabalho de Marcus Preto, o diretor artístico que já assina trabalhos importantes com nomes grandes como Gal Costa e Tom Zé, como fundamental. “Ele está ligado nas atualidades, agrega com sua visão.” Sobre Camelo, diz o seguinte: “A presença dele é intensa, ele se dedica ao disco de uma maneira quase doentia, é capaz de abdicar da própria vida em nome do trabalho”. Adnet também tem marcas importantes. Ao contrário de todas as sonoridades anteriores de Mallu, mais orientadas ao folk do início ou ao rock de Pitanga, Vem tem acabamento de música brasileira dos anos 1960, feito em noites de Beco das Garrafas. “A elegância de Adnet foi fundamental.”

A guinada que fez Mallu lançar ser “disco de música brasileira” é, segundo ela, um caminho sem volta. “É uma bagagem que terei sempre. Agora, vi que consigo fazer também.” Vem, no entanto, é apenas um passo. As críticas que a colocam nas alturas não podem fazê-la acreditar que esteja pronta. A melhor Mallu é a compositora. Esta trabalha com um fluxo criativo intenso, apresentando ideias sem padrões nem amarras, com uma linguagem em constante evolução e que, de alguma forma, conseguiu se libertar das facilidades do folk teen que poderiam aprisioná-la para sempre. A Mallu cantora é outra história.

Aos 24 anos, Mallu ainda tem uma fragilidade vocal que não joga mais a seu favor. Seu fio de voz era fofo nos tempos de folk, fazia parte da proposta, mas sua música, hoje, pede mais. Ela desliza para fora dos tons, se mantém no limite o tempo todo. Os estúdios possuem recursos que são úteis não só a Mallu. Aparelhos que afinam vozes e as mantêm no prumo são comuns, mas o palco é onde a voz, seja falando, seja cantando, precisa estar pronta para se tornar o melhor espelho da alma.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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