A propósito de nomes e sobrenomes

Numa crônica recente, o poeta e cronista Wilson Bueno tinha oportunidade de escrever um texto – saboroso como sempre – intitulado “Os nomes dos nomes”. A interessante crônica estimulou-me a alinhavar as considerações que a seguir equaciono, seguindo mais ou menos na mesma esteira wilsoniana.

Penso que não foram meras características psicológicas que levaram os nossos ancestrais lusitanos a adotar um vasto número de sobrenomes – ou apelidos – colhidos nos três reinos da natureza: o animal, o vegetal e o mineral. Essa estratégia adotada para a nomenclatura individual, para aquilo que os franceses denominam de “nom de famille” (que coexiste com o que os ingleses chamam de “given name”), é comum a todas as línguas ocidentais.

Assim, mais do que uma “bizarra patronímica” transparente, a escolha de nomes de animais como sobrenomes, teve um caráter por assim dizer ecumênico. De Portugal, e em língua portuguesa, nos vieram com os colonizadores e povoadores (que aqui se radicaram e deixaram uma descendência que hoje soma dezenas de milhões), os seguintes sobrenomes “zoológicos”, hoje tão comuns aquém como além-mar: Coelho, Carneiro, Lobo, Cordeiro, Leão, Raposo, Leitão, Bezerra, Tourinho, Lobato (mamíferos); Pinto, Canário, Pombo, Passarinho, Pato, Melo (corrputela de melro), Martins (aves); Sardinha, Ferreira, Robalo, Lampréia, Vieira, Negrão (peixes); Aranha, Mosca, Grilo, Barata, Formiga (insetos), etc., etc.

Do reino vegetal, nossos avós e tataravós lusíadas nos trouxeram uma extensa nominata de sobrenomes que hoje são patrimônio comum luso-brasileiro: Oliveira, Pereira, Carvalho, Nogueira, Pinheiro, Pinho, Silveira, Silva, Roseira, Rosa, Craveiro, Cravo, Loureiro, Louro, Andrade, Arruda, Figueira, Figueiredo, Barbosa, Salgueira, Palmeira, Videira, Vinhas, Ramos, Ramalho, Teixeira, Trigo, Lima, Matos, Matoso, Pedroso(a), Avelar, Pimenta, Queirós, Queiroga, Sena ou Sene, etc.

Do reino mineral (ou da natureza), vieram estes: Vale, Valeixo, Monte, Montanha, Lago, Lagoa, Serra, Várzea, Jardim, Mota, Marinho, Fraga, Fragoso, Prata, Ferro, etc.

Outra classe de sobrenomes vindos de Portugal são os de origem religiosa. É o caso dos seguintes: de Jesus, da Cruz, das Chagas, da Paixão, da Natividade, Assunção, Ascensão, dos Santos, dos Passos, Espírito Santo, Pascoal, etc.

Sem a pretensão de esgotar a nominata das centenas de sobrenomes portugueses que hoje são também brasileiros, há aqueles que correspondem aos nomes de cidades e vilas portuguesas. Umas bem conhecidas, outras, quase desconhecidas, pela insignificância dos burgos respectivos. Aí vão eles, lembrados à vol d’oiseau: Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Guimarães, Castelo Branco, Moura, Serpa, Barcelos, Caminha, Maia, Macedo, Sousa, Monsanto, Borba, Machado, Barroso, Aveiro, Leiria, Lamego, Cantanhede, Vilas-Boas, Vilalobos, abrantes, Valverde, Pimentel, Mortágua, Boavista, Sampaio, Almada, Cardoso, Caxias, Miranda, Valadares, Linhares, Mourão, Vilar, Valença, Vilarinho, etc.

Falei de sobrenomes. Falarei agora de nomes. Os mais comuns, aqui como lá, são de natureza religiosa, cristã, católica. (Na primeira bandeira lusitana, de 1139, já estão representadas a cruz e as cinco chagas de Cristo). Aí vão os principais: José, pai de Jesus; João, o discípulo bem-amado; Manuel ou Manoel (aferése ou contração de Emanuel ou Emanoel, o outro nome por que Jesus é chamado no Antigo Testamento); Joaquim, o avô de Jesus Cristo; Pedro e Paulo, os dois principais apóstolos, e Antônio, o mais conhecido dos santos portugueses (chamado na vida secular Fernando Martins de Bulhões, nascido em Lisboa “circa” 1190, e morto em Pádua, em 1231).

(Aqui, seja-me permitido abrir parênteses: brinca-se muito no Brasil pelo fato – inverídico, é claro – de que em Portugal quase todos se chamam Manoel ou Joaquim. Como diria uma autoridade que prefiro deixar no anonimato, por questão de delicadeza, isso é “menas verdade”… Segundo pesquisa feita há alguns anos pelo jornal lisboeta Correio da Manhã (ou seria o Diário de Notícias?), os dois nomes mais usados na “santa terrinha” são mesmo João e José, como acontece no Brasil, aliás. Só depois vêm Manuel e, mais ou menos com a mesma freqüência, Antônio e Joaquim. É um detalhe. Talvez irrelevante, mas curioso). Os cinco nomes representam 40% do total de nomes lusitanos.

Para concluir, não direi, como Plauto, que nomen est omen, ou seja, que um nome é um presságio. Não é. Pelo menos, nem sempre. Assim, é de bom alvitre que demos graças aos céus pelos nomes e sobrenomes que portamos desde o berço, desde a pia batismal. Podiam ser piores, ai de nós…

João Manuel Simões

é poeta e escritor.

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