Helena ‘guerreira’ Ignez. Quando jovem, ela foi casada com Glauber Rocha e interpretou clássicos do Cinema Novo – Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias; O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade. Depois, ligou-se a Rogério Sganzerla, permanecendo com ele até sua morte, em 2004. Fizeram história com filmes como O Bandido da Luz Vermelha e A Mulher de Todos. Foi uma história de amor tão bonita, tão intensa, que ela diz – “A energia dele segue tão viva em mim que nem saudade eu tenho.” Sganzerla deixou nada menos de 18 roteiros inéditos. O de A Moça do Calendário, que estreou na quinta, 27, era um curta que Helena recriou, expandiu.

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Na origem do projeto estão contos do escritor catarinense Luiz Antônio Martins Mendes, que Sganzerla conhecia desde a infância e a adolescência. Helena lembrava-se da escrita do marido, mas o roteiro havia sumido. O próprio Martins Mendes mostrou-lhe o material, há quatro anos. Foi uma descoberta, e um encantamento. Helena, que já era diretora, imediatamente percebeu que havia ali algo muito bom – e algo que havia envelhecido e teria de ser descartado. A essência veio de Sganzerla, a moça do calendário que ele criou para ser um sonho e um objeto de desejo de Inácio.

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No filme, ela se veste de vermelho, naquele jipe verde. É o filme em que Djin, filha de Sganzerla e Helena, está mais bonita – um assombro. “Que bom que você acha isso. Fiz (o filme) com essa intenção.” O que A Moça tem de Sganzerla é esse diálogo existencial entre Inácio, produto daquilo que o filósofo Byung Chul Han chama de ‘sociedade do cansaço’, e a mulher sexy ligada ao MST. Helena considerou esse encontro uma ‘joia’ e o trouxe para a São Paulo contemporânea, para esse novo momento das mulheres. De cara, Inácio está regendo (a sinfonia d)o caos urbano. A cena emblemática foi filmada no local que o então prefeito João Doria escolheu para iniciar sua campanha contra os grafites na cidade.

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Inácio/André Guerreiro Lopes frequenta um boteco com seus colegas na oficina mecânica. “Veja o presente que essa cidade me deu – na frente do bar havia uma ocupação.” É a metrópole feita de contrastes que Helena põe na tela. Ela investe contra a sociedade do desempenho e, pegando carona em Chul Han, a quem dedica seu filme, mostra que a doença particular desse século 21 é de ordem psíquica. As dores de cabeça de Inácio que o digam. Ele rompe com o trabalho alienado, a mulher lhe dá o pé e, quando tudo parece estar desmoronando, é o (re)começo. A moça do calendário lhe aparece, convidando para uma vida de sonho e aventura. “Vou lhe mostrar o assentamento em que nasci.” Cada vez mais autoral, Helena fez um filme libertário e transgressivo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.