A história que liberta

A pesquisa realizada pelo Pisa – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, envolvendo as escolas públicas e particulares, coloca o Brasil em posição desfavorável no tocante à capacidade de leitura, assimilação e interpretação de textos entre os 32 países analisados. O Pisa tem a coordenação da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico e cada país participante possui uma coordenação nacional. O Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais é responsável pela coordenação do trabalho no Brasil. A primeira realização do Pisa, que ocorreu em 2000, teve a participação de 250 mil estudantes. As próximas avaliações transcorrerão entre os anos 2003 e 2006.

Ao comentar a pesquisa, Gabriel Perissé, mestre em literatura brasileira pela USP – Universidade de São Paulo, doutorando em pedagogia pela USP e professor universitário, afirma que “precisamos criar um ambiente favorável à leitura, com a valorização de quem lê. Os bons leitores precisam de mais espaço e reconhecimento na TV, nos jornais e no próprio sistema de ensino. Se o Brasil ficou em último lugar nesse “Campeonato da Leitura” é porque a leitura no Brasil está em último lugar. Precisamos virar o jogo”.

A leitura em história – Levando em consideração essa pesquisa e diante das dificuldades demonstradas por muitos estudantes quanto ao entendimento da história mundial e nacional, seguem sugestões de leitura aos alunos do ensino médio e às pessoas interessadas na transformação do quadro instalado no Brasil, de povo que lê pouco:

Para se entender a origem da fome no País, é importante a leitura do livro História Econômica do Brasil, do historiador Caio Prado Júnior. Neste clássico da historiografia, foi desenvolvido trabalho minucioso sobre as raízes históricas brasileiras com suas formas de manipulação, de exploração e de falta de sensibilidade para com os sujeitos sociais. Na página 43 (edição 27), é abordado “o papel secundário a que o sistema econômico do País, absorvido pela grande lavoura, vota à agricultura de subsistência, determinando um dos problemas mais sérios que a população colonial teve de enfrentar. (…) As atenções estavam fixas no açúcar, cuja exportação deixava grande margem de lucros, e ninguém dava importância aos gêneros alimentares. Um grande senhor de engenho chegou a lançar seu formal desafio às leis que o compeliam ao plantio da mandioca. “Não planto um só pé de mandioca, escreveu ele, dirigindo-se às autoridades, para não cair no absurdo de renunciar à melhor cultura do País pela pior que nele há (…).” A população colonial, com exceção das suas classes mais abastadas, viveu sempre num crônico estado de subnutrição”. Com relação ao índice de miséria e de fome do brasileiro na atualidade, a Web Ciência (2002) relata que “um terço da população é mal-nutrida, 9% das crianças morrem antes de completar um ano de vida e 37% do total são trabalhadores rurais sem terra”. Isto representa que mais de 52 milhões de brasileiros vivem em condições subumanas, ou seja, estão abaixo do nível humano.

No livro História para o Ensino Médio, os historiadores Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo adotam como estilo narrar o fato histórico integrado ao presente. Por exemplo, quando abordam a política dos irmãos Graco, que desejavam promover a reforma agrária na Roma Antiga, comparam-na com a questão da terra no Brasil do século XXI.

O historiador Antonio Carlos do Amaral Azevedo reúne os verbetes principais acerca dos momentos marcantes da história, no Dicionário de Nomes, Termos e Conceitos Históricos. Com eficácia mostra a história desvinculada de conceitos tradicionais. Quando aborda o movimento rural de Canudos ocorrido na Bahia, no final do séc. XIX, afirma: “Ao contrário do que a história oficial sempre anunciou, Canudos não era um refúgio de criminosos e de vadios. Um número significativo de pessoas possuía terra, gado e moradia. As transações comerciais corriam livremente, e o intercâmbio com os estabelecimentos vizinhos era freqüente e amistoso, exceção feita ao caso da compra da madeira pelos sertanejos em Juazeiro, na Bahia, onde, diante da demora na entrega, o material foi retirado à força”. Azevedo tem reconhecimento e aceitação do meio acadêmico. Antonio Joaquim Severino, no livro Metodologia do Trabalho Científico, orienta os leitores para que adquiram essa obra.

As historiadoras Maria do Pilar de Araújo Vieira, Maria do Rosário da Cunha Peixoto e Yara Maria Aun Khoury apontam no livro A Pesquisa em História as limitações da escola positivista e indicam os novos caminhos da historiografia. As autoras explicam: Antes se considerava que o documento escrito oficial falava por si mesmo, hoje se “considera que as fontes só falam utilmente se soubermos fazer-lhe as perguntas adequadas. Mas tais perguntas não decorrem das próprias fontes, não nascem delas, e sim da cultura histórica do pesquisador, da sua base teórica, de mil conhecimentos externos àquele documento com que estiver trabalhando no momento”.

Considerações – A concretização do ideal democrático exige que os cidadãos tenham bom nível intelectual, principalmente no que diz respeito ao conhecimento histórico. A história oferece o despertar, a competência para ler o que está nas entrelinhas e o poder de constatar que os modelos de independência e de democracia no Brasil foram impostos, tendo na elite a defensora dos seus interesses. Conclui-se que o domínio da história liberta.

Jorge Antonio de Queiroz e Silva

é especialista em Metodologia do Ensino de História. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. E-mail:
queirozhistoria@terra.com.br

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