Taís Araújo é considerada a primeira protagonista negra de uma novela das 8 da Globo, fato ocorrido quando deu vida à personagem Helena, de Manoel Carlos, em Viver a Vida, que estreou há 10 anos, em 14 de setembro de 2009.

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E+ conversou com a atriz sobre sua visão a respeito da questão da representatividade negra em novelas e outras produções desde então.

“Acho que a gente teve melhorias, sim. Na verdade, é uma coisa muito simples de você observar o panorama. É o crescimento da quantidade de atores negros nas novelas 10 anos atrás e agora. O número aumentou consideravelmente”, opinou Taís.

A atriz relembrou que, em décadas passadas, atores negros tinham espaço apenas em “novela de época ou então em papéis sem grande importância em termos de dramaturgia”.

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“Quando você fala de um motorista, empregada doméstica, na verdade, não é da profissão que está se falando, está se falando da importância dramaturgia da personagem dentro daquela obra”, ressalta, sobre o comentário.

“Isso realmente era um déficit gigantesco, os personagens estavam lá só para constar, não tinham história, não tinham humanidade. Então, se a gente for contabilizar isso hoje, aumentou e melhorou muito, em número e em qualidade”, continua.

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Sobre o destaque maior de Manoel Carlos ao fato de Helena ser jovem, em vez de ao fato de ser negra, hoje, a atriz comenta: “Eu entendo o Maneco. Esse desejo, na época, também era um desejo meu – olha que loucura. Puramente por falta de entendimento da sociedade em que a gente vivia e vive”.

“Minha ingenuidade era tão grande quanto ao Brasil, que, na época, eu achava que o Brasil era aquele cordial que foi vendido para a gente a vida inteira”, prossegue.

Na sequência, conclui: “Uma ingenuidade de que ‘não precisa tocar nesse assunto’. E não. Precisa-se sim, tocar nesse assunto, falar nesse assunto. A gente não pode deixar os assuntos serem ignorados enquanto tem coisas a se resolver.”

‘Nem todo mundo foi escutado’

Para Taís, “a história do Brasil não foi contada da maneira certa”, uma vez que “nem todo mundo foi escutado.”

“Vamos olhar para o Brasil de maneira madura, entender que sociedade é essa e como ela foi realmente construída. Não dá para você ficar glamourizando a época colonial do Brasil. Não há glamour nessa época. Foi uma época bárbara, violenta, horrorosa”, completou.

Em relação às novas gerações, prossegue: “Mudou. Na verdade, a gente está num processo de mudança, né? Se a gente for olhar o número de brasileiros que se declaram negros e o número de brasileiros que tem na televisão, o número não se equipara. Mas negar uma melhora, também, não tem como. De fato, melhorou bem. Mas ainda não é o que proporcionalmente representa a população negra brasileira.”

Hoje dona de uma carreira extensa, Taís Araújo começou nas novelas em Tocaia Grande, da Manchete: “Vocês público me viram crescer. Viram uma menina e agora estão vendo uma mulher. Fui amadurecendo.”

“Me conheceram quando eu não tinha nenhum pensamento amadurecido sobre nada. Mas, se você pegar entrevistas minhas na revista Raça enquanto eu fazia a Xica da Silva, você já vê um entendimento meu – claro, de uma menina de 17, 18 anos, mas que não estava de bobeira”, ressalta.

A atriz também lembra a baixa quantidade de atrizes negras na TV durante sua juventude: “Quando eu era pequena, quem tinha era a Zezé Motta, que tem a idade da minha mãe, a Léa Garcia… Tinha um distanciamento muito grande de idade entre nós para haver um tipo de identificação.”

Próximos passos

Para o futuro, Taís Araújo acredita que o caminho seria que as emissoras dessem mais oportunidades a profissionais negros por trás das câmeras, em cargos como o de diretor ou roteirista.

“Eu sou super esperançosa nesse sentido. Acho que as empresas já estão começando a entender o quanto é importante você contar histórias sobre os diversos pontos de vista. Estou falando sobre isso porque acho que grande parte da grande mudança que acho que a gente tem que ter são criadores, escritores, diretores negros. Para que a nossa história seja contada pelo nosso ponto de vista, e não pelo ponto de vista do outro”, afirma.

Em seguida, exemplifica: “Isso já acontece muito na televisão. Por exemplo, se você vai escrever o papel de um personagem de origem judaica, o que vai acontecer? Você vai recorrer a um rabino, a alguém que conheça daquela cultura para escrever ou dar alguma assessoria para que não se cometa nenhuma gafe, falta de respeito.”
Taís também acredita que é preciso “reconhecer o desconhecimento sobre a cultura do outro.”

“Acho que isso ainda não acontece muito com a população negra. As pessoas acham que entendem tudo sobre população negra e podem escrever sobre a população negra, mesmo não sendo negro e não tendo a vivência de uma pessoa negra no País”, continua.

“Quem ganha é a dramaturgia, somos todos nós. Ganha histórias e pontos de vista diversos, enriquece”, conclui.

‘Sou a exceção’

Taís Araújo também reafirmou que se considera uma “exceção” no que diz respeito à realidade brasileira: “Eu não valho para nada. A exceção só serve para confirmar a regra. … Tive a chance de estudar em colégios bons, particulares, tradicionais, falo inglês, espanhol.” “Se você me pega e coloca como exemplo… Não sou exemplo de nada, sou a exceção”, conclui.

Viver a Vida

Em Viver a Vida, Taís Araújo interpretou a protagonista Helena, que, ao longo da trama, casou-se com Marcos (José Mayer) e, posteriormente, envolveu-se em um romance com o fotógrafo Bruno (Thiago Lacerda).

A família de Helena na trama era composta por seus pais, Edite (Lica Oliveira) e Oswaldo (Laércio de Freitas) e seus irmãos, Sandrinha (Aparecida Petrowki) e Paulo (Michel Gomes).

Casada com Marcos, ela enfrentava problemas com a família do marido, especialmente por parte de Teresa (Lília Cabral) e Luciana (Alinne Moraes), que, posteriormente, sofreria um acidente, ficando tetraplégica.