A Bossa Nova mais tropicalista

Vários eventos estão comemorando os 50 anos da Bossa Nova. Dentre eles, o mais surpreendente foi confirmado na semana passada. Roberto Carlos e Caetano Veloso, dois dos intérpretes masculinos mais importantes da história da música popular brasileira (talvez os maiores vivos, junto com Chico Buarque), vão se apresentar em São Paulo e no Rio de Janeiro cantando músicas de Tom Jobim. Serão três shows (dia 15 de agosto no Rio e dias 25 e 26 de agosto em SP) que, antes de terem acontecido, ganharam as manchetes dos principais jornais do País.

As pessoas que fazem o ?entorno? destas apresentações são ligadas a Caetano: a produtora Monique Gardenberg, os diretores Felipe Hirsch e Daniela Thomas, o arranjador e maestro Jacques Morelenbaum. E só poderia passar por Caetano uma iniciativa deste porte. Há alguns anos (ou talvez desde sempre) seria impossível pensar em um show como este – Caetano e Roberto juntos, cantando só Tom Jobim. É a ação mais tropicalista que se viu nos últimos tempos. Poderia ser ainda mais, caso Chico, que foi convidado, concordasse em participar do show.

Quando se fala em Tropicalismo, remete-se à tentativa de ?abalar as estruturas? feita pelo grupo liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil. Era assim que eles pretendiam ?retomar a linha evolutiva da música brasileira?. Foram criticados à época, mas fizeram o que prometeram -de uma forma ou outra, passaram pela contestação, pelas guitarras elétricas e pelo exílio para chegarem à Bossa Nova (ou, melhor, ao banquinho e ao violão). Era a vanguarda que pretendia a retaguarda.

Mas era o Tropicalismo que ousava nas suas escolhas. Foi Caetano quem resgatou o Coração Materno de Vicente Celestino e as Chuvas de Verão de Fernando Lobo. Ele, Gal Costa e Maria Bethânia (esta não entrou, mas influenciou muito o movimento) buscaram força para suas composições e interpretações na Jovem Guarda, enquanto Gil tinha nos Beatles uma fonte inesgotável. Aqueles jovens tinham como principais defensores os pensadores Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos – quer união mais tropicalista que essa?

Trazer Roberto Carlos ?de volta? para a aba da Bossa Nova é um ato de extrema ruptura. Os principais pesquisadores da Bossa, como o escritor Ruy Castro, não admitem que o Rei possa perpassar o caminho de Tom Jobim e João Gilberto, mesmo que tenha sido influenciado por eles ao mesmo tempo que Gil, Caetano, Chico, Marcos Valle e Edu Lobo. E que, antes de todos, tenha se arriscado a gravar um 78 rotações (disco que hoje é renegado pelo cantor). Sua união com Carlos Imperial, que seria decisiva para a formação do ídolo jovem nos anos 60, foi fatal nas pretensões de Roberto em ser o ?novo João Gilberto? em meados da década de 50.

Depois de virar ?Rei?, Roberto Carlos começou a emitir sinais de que gostaria de gravar Tom Jobim – e tinha, quando este era ouvido, João como incentivador. Poderia ter lançado Wave, mas não esteve a tempo de ir à Bienal do Samba da TV Record. A mesma coisa aconteceu com Ana Luíza. Mas Tom esteve em duas oportunidades cantando com Roberto no especial deste na TV Globo – numa das ocasiões, cantando Lígia, dueto que será refeito no show de agosto, agora com o neto de Tom, o pianista e cantor Daniel Jobim.

A relação nunca foi cortada, mas era impensável o Roberto Carlos de hoje em um palco (e não na TV) fazendo um show só com músicas de Tom – e ainda mais com Caetano Veloso. Convencê-lo disto é uma vitória dos produtores, que tiveram também a ousadia de encarar possíveis críticas a tal iniciativa. E como Roberto é um sujeito complicado, é bom ficar atento ao aviso do curador do espetáculo, Zuza Homem de Mello: ?Esse triângulo, creio, jamais poderá ser repetido?.

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