130 anos de Santos-Dumont

Há 130 anos, mais exatamente, em 20 de julho de 1873, nasceu no sítio de Cabangu, em Palmira (hoje Santos Dumont), MG, um dos mais ilustre brasileiro – Alberto Santos Dumont – pai da aviação. Aos 18 anos partiu para a França, com objetivo de estudar física, mecânica e eletricidade. Interessou-se por aerostação e começou a desenhar balões nos quais colocou motores a petróleo, uma grande ousadia para a época. Em 1897, realizou sua primeira ascensão em balão em Paris. Nos anos seguintes lançou um balão cilíndrico.

Na conquista do ar, Santos-Dumont evoluiu da aerostação para a dirigibilidade dos balões e, mais tarde, deixou o mais leve para se dedicar ao mais pesado que o ar.

Para melhor compreender a importância de Santos-Dumont na descoberta da dirigibilidade dos balões, convém recordar a experiência do engenheiro francês Henry Giffard (1825-1882) que, em 24 de setembro de 1852, em Paris, conseguiu elevar-se num balão em forma de uma baleia e dirigi-lo com o auxílio de uma máquina a vapor, o que lamentavelmente tornava este aerostato muito pesado. O segundo dirigível de Giffard não resistiu a primeira ascensão o que causou enorme desânimo no inventor.

Após a morte de Giffard, os experimentos mais notáveis referentes à dirigibilidade dos aerostatos foram os vôos realizados com o balão La France, promovidos pelo Ministério de Guerra da França, em Chalais-Meudon, sob a direção engenheiro militar francês Charles Renard (1847-1905). Este usou em seus vôos um motor elétrico, considerado levíssimo em comparação ao usado no balão de Giffard. Não há dúvida de que as ascensões de 9 de agosto de 1884 e as de agosto e setembro de 1885 mostraram que La France estava no caminho da dirigibilidade.

Durante os treze anos que se seguiram nada se fez de notável. A idéia de dirigibilidade foi abandonada. Os mais notáveis aeronautas do fim do século XIX, dentre eles, Gaston Tissandier (1843-1899) construtor do primeiro dirigível dotado de um motor elétrico -, não continuaram os vôos com os balões alongados. O motivo era muito simples, os motores a vapor e elétrico tornavam os balões extremamente pesados. De fato, La France, após uma série de aperfeiçoamentos, atingiu o peso mínimo de dois mil quilogramas.

O grande mérito de Santos-Dumont foi usar um motor a explosão. Na época, além de ter que enfrentar o riso dos aeronautas, surgiram artigos nos jornais assinados por técnicos que aconselhavam a polícia a procurar “evitar o suicídio desse inexperiente brasileiro”, pois consideravam uma loucura associar um motor a explosão a um balão cheio de hidrogênio, gás facilmente combustível.

Em 18 de setembro de 1898, no Jardin d?Acclimatation, no Bois de Boulogne, realizou sua primeira ascensão com o dirigível Santos-Dumont 1, constituído por um balão de seda do Japão de 25 metros de comprimentos e 3,40 de diâmetro, com dois motores Dion-Bouton (3,5 cavalos) que acionavam uma hélice de duas pás de um metro de comprimento. A experiência do vôo foi um desastre. O dirigível chocou-se contra as árvores. Depois de ter consertado as avarias, estava de volta por uma nova ascensão. Seu objetivo era testar suas idéias. Conseguiu subir até 400 metros. Ao descer o enorme balão flexível em forma de charuto se dobrou em dois e caiu com velocidade de 5 metros por segundo. Foi salvo graças à sua agilidade e sangue frio, do alto pediu aos meninos que brincavam na região que puxassem o cabo em direção oposta ao vento. Mais tarde, diria que subiu como um dirigível e desceu como uma pipa. Não desistiu. Projetou um novo dirigível Santos-Dumont 2 com o mesmo comprimento do anterior, ao qual acoplou dois motores Dion-Bouton, de dois cavalos e um quarto cada um.

Em 11 de maio de 1899, logo que o dirigível se levantou, uma tempestade provocou a contração do hidrogênio. Em conseqüência, o balão dobrou-se, atirando-o contra as árvores. Santos-Dumont foi obrigado a descer agarrando-se aos galhos das árvores. Apesar deste acidente, não desistiu. Projetou e fez construir o Santos-Dumont 3, dirigível de 500 metros cúbicos, 20 metros de comprimento e 7,50 de diâmetro. Como o anterior, sua hélice era acionada por dois motores Dion-Bouton de 2 cavalos e um quarto cada um.

Em 13 de novembro de 1899, a bordo do Santos-Dumont 3 partiu de Vaugirard, dirigindo-se diretamente para o Campo de Marte, quando contornou diversas vezes a Torre Eiffel. Em seguida, partiu diretamente para o Parc aux Princes, trajetória muito próxima àquela que faria dois anos mais tarde por ocasião da prova do prêmio Deutsch. Mais tarde Santos-Dumont escreveu: “Foi a ascensão mais feliz que realizei até aquela data”. O dirigível Santos-Dumont 3, com a bandeira brasileira a tremular constituía um importante peça do seu marketing. A imprensa transformou-o num ídolo. Aonde aterrissava logo a multidão o cercava.

A dirigibilidade dos aerostatos estava ganha, graças à ousadia, conhecimento e coragem de Santos-Dumont.

Realmente, ao contrário da idéia aceita pela maioria dos aeronautas, não havia mais dúvida, o motor a explosão era o único aplicável aos dirigíveis. Descobriu também que o cano de descarga deveria estar sempre orientado em direção ao chão e não em linha reta como havia feito de início o que por pouco poderia ter lhe causado um grave acidente assim procedendo eliminava totalmente a ameaça de uma explosão.

Em março de 1900, Henri Deutsch de la Meurthe (1846-1919), um rico empresário associado ao refino do petróleo e um grande incentivador da aviação, magnata do petróleo, muito interessado no aperfeiçoamento dos motores a explosão, instituiu um prêmio de 100.000 francos, que deveria ser conferido pela Comissão Científica do Aero-Clube de Paris, ao primeiro dirigível ou aeronave de qualquer natureza que “entre 1.º de maio e a 1.º de outubro de 1900, 1901, 1902, 1902, 1903 e 1904”, se elevasse do Parque de Aerostação de Saint-Cloud, por seus próprios meios, conseguisse descrever uma circunferência tal que tivesse o eixo da Torre Eiffel em seu interior, e, em seguida, sem tocar no solo, retornasse ao ponto de partida no tempo máximo de meia hora.

Com o espírito empreendedor que herdara do pai, Santos-Dumont, sempre aberto a todas as inovações, decidiu construir o seu hangar em Saint-Cloud, no parque de aerostação do Aeroclube da França, onde resolveu trabalhar no isolamento, longe do Parque de Vaugirard, e independente de Lachambre e de Macheiron, com quem havia trabalhado até então. Agora, reunido com seus mecânicos, Santos-Dumont começou a projetar as aeronaves que faria no futuro.

Após o sucesso do último dirigível, decidiu projetar e construir um novo dirigível -Santos Dumont 4 que ficou pronto no dia 1.º de agosto de 1900, na oficina de Neuilly, o novo hangar que havia construído. O novo dirigível de 39 metros de comprimentos e 5 de largura, era ligeiramente dissimétrico com um motor de 2 cilindros e 7 cavalos, que dava à hélice uma velocidade de 140 rotações por minuto e uma tração de 30 quilogramas. Na realidade, este balão foi uma transição para o Santos-Dumont 5, de 43 metros de comprimentos com um motor de Buchet de 4 cilindros e 16 cavalos de força.

Em 12 de julho de 1901, o Santos-Dumont 5, partiu de Saint-Cloud completou dez voltas sobre o campo de corrida de Longchamp. Neste vôo percorreu uma distância de 35 quilômetros. Com este mesmo dirigível, contornou a Torre Eiffel mais de uma vez, em 13 de julho de 1901. Lamentavelmente, ao retornar caiu no jardim de Edmond de Rothschild. Em outra tentativa, em 8 de agosto, chocou-se com o telhado do Grande Hotel do Trocadero, salvando-se por milagre, graças à ação dos bombeiros parisienses que o retiraram de uma altura de 20 metros entre dois prédios.

Incapaz de se deixar abater, mandou construir um outro dirigível Santos Dumont 6 de 33 metros de comprimento, 6 de largura, 360 metros cúbicos, um motor Buchet de 4 cilindros e 16 cavalos e um lastro de 110 quilogramas. Depois de várias ascensões habituais, decidiu comunicar a Comissão Científica que faria uma nova tentativa com o objetivo de concorrer ao Prêmio Deutsch, em 19 de outubro de 1901. Saiu de Saint-Cloud, contornou a Torre Eiffel e voltou ao ponto de partida em 29 minutos e 30 segundos. Apesar do sucesso, a viagem foi cheia de surpresas: o motor quase parou e Santos-Dumont foi obrigado a repará-lo no ar. Ao alcançar o parque de Saint-Cloud ultrapassou-o, o que provocou um atraso de um minuto na aterrissagem.

Se por um lado, alguns membros da Comissão Científica achavam que deveria ser considerado o tempo de aterrissagem por outro lado, haviam aqueles que achavam que este tempo deveria ser descontado. No dia 4 de novembro, a Comissão Científica por 13 contra 9 decidiu declarar Santos-Dumont vencedor. Era a grande vitória.

M.H. André, em sua obra Les Dirigeables (1902), escreveu: “Santos-Dumont foi o primeiro a utilizar um motor a explosão num dirigível, indicou o caminho a ser seguido e impulsionou uma nova indústria: a da navegação aérea. Em outras palavras, teve o mérito de retirar a questão da dirigibilidade dos balões da sombra e do silêncio em que se encontrava mergulhada na França”.

Com sua personalidade forte, teimoso, inovador, trabalhador, incapaz de se deixar dominar pelos fracassos e acidentes, o aeronauta brasileiro criou um tipo que iria dominar a sociedade parisiense no início do século XX. Paris aceitou-o como um dos seus tipos: le Petit Santos foi a carinhosa expressão que os parisienses cunharam para designá-lo.

Sobre esse feito, transcrevo as palavras do sábio Wilfrid de Fonvielle (1824-1914): “Pela primeira vez, após cinqüenta anos, a navegação aérea foi retirada das mãos dos empíricos e recebeu sua base científica…”

Mais tarde, em setembro de 1906, com o 14-Bis (a motor a explosão) que havia idealizado e construído, Santos Dumont efetuou, diante da Comissão de Aeroclube de França, o primeiro vôo documentado do mais-pesado-que-o-ar na história da aviação. Nos anos seguintes, de 1907 a 1910, com o Demoiselle, ou Libélula, pequeno e frágil, muito semelhante aos atuais ultraleves, o pai da aviação efetuou inúmeros vôos, com os quais se popularizou.

Em 1912, estabeleceu um observatório em Trouville, onde de 11 a 13 de agosto, em colaboração com o astrônomo C. Flammarion, em Juvisy, e outro colega em Besançon, procurou determinar, com precisão, a altura, a trajetória e a velocidade de meteoros, com intenção de precisar o radiante dos meteoros Perseídeos.

Em Paris, escreveu Dans l?air(1904) sobre suas experiências de vôo e seus balões, que deu origem Os meus balões(1973). De volta ao Brasil, em sua casa A Encantada (hoje um Museu a ser visitado), na cidade de Petropólis, escreveu O que eu vi, o que nós veremos (1918) sobre seus aviões e futurologia.

Eleito membro da Academia Brasileira de Letras, recusou-se a tomar posse alegando não ser merecedor de tal honraria. Sofrendo constantes crises de depressão foi transferido pela sua família para o Hotel de la Plage, em Guarujá, SP, onde suicidou-se em 23 de julho de 1932.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual hoje é pesquisador-titutar, sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e autor de mais de 70 livros, entre outros, do “O livro de ouro do Universo”.

Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com

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