Zico faz duras críticas ao Catar, sede da Copa de 2022

O Oriente não é território estranho para Zico. Foi por lá que ele construiu a maior parte de sua carreira depois de pendurar as chuteiras. No Japão, Zico é um ícone por sua contribuição fundamental à profissionalização do futebol naquele país. De lá, o Galinho rodou a Ásia. E, em todas as suas andanças, não encontrou uma situação tão desanimadora quanto a vivida atualmente no Catar. No país-sede da Copa do Mundo de 2022, o técnico esperava encontrar uma liga forte, com a presença de estrelas do quilate de Raúl (ex-Real Madrid) e mentalidade profissional. Decepcionou-se. Estádios vazios, jogadores desinteressados e pouca visibilidade internacional foi a realidade que encontrou.

Em entrevista à Agência Estado, concedida logo após a derrota de seu Al Gharafa para o Al Kharaitiyat, por uma copa de menor destaque, Zico admitiu que só há uma razão para trabalhar no Catar: dinheiro. “Não indicaria vir para cá para um jogador em boa fase. É para quem está em fim de carreira”, disse.

Ao ser questionado sobre como é a vida no Catar e como é o futebol do país, o ex-jogador disse que falta profissionalismo aos jogadores e apontou que a mentalidade dos atletas precisaria mudar para que seja possível um crescimento.

“Aqui tudo funciona, você tem toda a infraestrutura. O país para viver é tranquilo. Tem as regras, a cultura, como em qualquer lugar, que você tem de respeitar. Só que, em um país que pretende realizar a Copa do Mundo, eu pensei que ia encontrar mais profissionalismo. Foi a única coisa que não encontrei. E eu, que sempre fui um profissional a fundo, não concordo com algumas coisas que a gente vê aqui. Dá a impressão de que o jogador de futebol está ali por obrigação. Tudo está à frente (do futebol). Então você traz profissionais de fora, paga-se muito bem, mas os estádios estão vazios, não dá motivação nenhuma. E daqui é um passo para você ir para lugar nenhum. Começaram ao contrário, pelo lado errado (investimento pesado em estrutura e nos times), mas não conseguem fazer com que o público se interesse, compareça aos jogos”, disse Zico.

O próprio fator climático e os costumes locais foram citados pelo maior ídolo da história do Flamengo como obstáculos para o desenvolvimento no futebol no Catar. “O clima já não ajuda. Aí, no intervalo do jogo, o jogador tem de fazer a reza dele. Você tem de esperar. Eu peguei isso na Turquia, mas lá eles colocavam o futebol na frente. Pediam permissão a Alá e no dia do jogo eles se alimentavam. Aqui você vai treinar e tem três caras em jejum. O futebol, infelizmente, não comporta isso. Não pode fazer um treinamento forte. Você vai fazer uma pré-temporada, com treinamentos em três períodos, e no terceiro dia já saem quatro, que não estão preparados fisicamente, mentalmente, psicologicamente para o profissionalismo. É sempre uma coisinha aqui, uma liberação. Treino de manhã nem pensar. Com 60 anos, se eu tivesse um joelho bom estaria treinando mais do que eles. Treinar às 10 horas não mata ninguém, mesmo a 32 graus. Mas não. Tem de ir para o ar refrigerado, para a musculação, não dá para fazer nada”, reclama Zico.

O ex-camisa 10 da seleção brasileira também exibiu pessimismo ao projetar as chances que o Catar teria de fazer um papel bonito dentro de campo como sede da Copa de 2022. “Acho que o Catar tinha de entrar para competir já na (Copa da) Rússia (em 2018). Mas, do jeito que está, não vai. Não vão evoluir com essa falta de profissionalismo. Aqui já não tem muita gente. Em todos os times, a maioria (dos jogadores) não é do Catar. Tudo naturalizado. Isso não tem sentido. Isso atrapalha. Para quem esteve no Japão, no Usbequistão, e eles estão aí na briga… Não vejo o Catar em posição de crescer, ganhar e se classificar jogando futebol. Aqui é um campeonato que não traz motivação e não desenvolve. Não acredito que o Catar terá uma seleção forte em 2022. Tempo tem, tem de trabalhar muito. Mas não vejo essa vontade. Não tem renovação”, completou.

Em seguida, Zico alertou que não há condições de o Mundial de 2022 ocorrer entre junho e julho, como ocorreu em outras Copas e acontecerá no próximo ano, na edição seguinte da competição, no Brasil. “Dinheiro (para organizar o evento) não é problema, mas (jogar) em junho não tem a menor condição. Período de julho não dá. Falam dos estádios com ar condicionado. O problema é que Copa do Mundo não é só o jogo. Como é que você vai treinar? Vai fazer campo com ar condicionado para treinos? Não vejo possibilidade de Copa no verão. Mas tem jogo de Eliminatórias aqui em junho. Junho, julho aqui é um forno. Não dá para sair de casa. Faz 50 graus. Ninguém sai de casa”, ressaltou.

Já ao falar sobre a opção de um jogador estrangeiro de ir jogar no Catar, Zico deixou claro que isso é só para quem está perto de se aposentar e prioriza o dinheiro, até pelo fato de que o país é um vitrine muito ruim para o atleta. “É a questão financeira. É fim de carreira. Não tem perspectiva. Daqui você não sai para lugar nenhum. Talvez volte para o Brasil mais velho. Ou então um cara muito novo que esteja aqui para ganhar experiência, bem novinho. Um cara que está em boa fase, em bom momento, não recomendaria vir para cá de jeito nenhum, de jeito nenhum”, admitiu.

Voltar ao topo