Cuca diz ter levado calote
como jogador e técnico.

São Paulo – Imagine o seguinte: determinado patrão tem por hábito atrasar ou simplesmente não pagar o salário de um funcionário. E, estranho, em vez de boicotá-lo, os empregados almejam ser contratados por ele, disputam a vaga. É mais ou menos assim a relação dos clubes do futebol brasileiro com os técnicos.

O Flamengo, por exemplo, deve a seis de seus ex-treinadores, entre os quais, o último, Oswaldo de Oliveira, que, aliás, acumula 14 meses sem receber, contando os períodos em que dirigiu Fluminense, Vasco e São Paulo. Saiu chateado da Gávea, mas nem tanto, afinal deixou o irmão no lugar dele. E se, no futuro, aparecer um novo convite…

No futebol nacional é uma prática comum o atraso no pagamento dos salários. O surpreendente é o fato de os técnicos continuarem admitindo tal política. O Flamengo é o maior devedor não o único. “Não vi a cor do dinheiro até agora”, reclama Zagallo, que dirigiu a equipe em 2001. O clube deve ainda a Nelsinho Baptista, Vanderlei Luxemburgo, Evaristo de Macedo e Lula Pereira.

No Fluminense, Renato Gaúcho foi demitido em julho e saiu reclamando não ter recebido o que o clube lhe devia. Há duas semanas, Joel Santana, seu substituto, foi dispensado e, para evitar gastos, a diretoria trouxe novamente Renato, com a única promessa de pagar seus salários até dezembro. Será?

“Quem não fica devendo a ninguém nesse futebol brasileiro?”, questiona o técnico Vanderlei Luxemburgo, que admite já ter sido vítima de alguns “calotes”. “A única coisa que me deixa chateado é quando o treinador vai embora e é chamado de mercenário. Não é mercenário nem jogador nem técnico que reivindicam aquilo que está acordado em contrato”. Quando renovou seu contrato com o Cruzeiro, até o final de 2004, Luxemburgo salientou que pesou na decisão a tradição do clube mineiro de pagar em dia.

Jair Picerni, do Palmeiras, diz que não escolhe onde vai trabalhar pela fama de bons ou maus pagadores, mas toma suas precauções. “Sempre negocio diretamente com o presidente do clube.” Outro cuidado do técnico é selar os acordos com contratos assinados.

Quem não teve tanta precaução, tem histórias ruins para contar. O técnico Cuca não esconde a irritação quando se toca neste assunto. “Sou duplamente vítima. Levei calote como jogador e como técnico”, afirma o atual treinador do Goiás, cujos salários estão em dia.

Cuca não consegue sequer avaliar o montante dos calotes, representados pelos cheques devolvidos, notas promissórias abandonadas numa gaveta ou palavras empenhadas que jamais foram cumpridas. “Muitas vezes o técnico entende que a situação do clube é passageira e vale a pena investir”, justificou.

O treinador do Fortaleza, Márcio Araújo, vai mais longe: “Às vezes você não recebe, mas fica em evidência e pode ir para o exterior. Em certos casos, é melhor ficar trabalhando sem receber do que estar em casa”.

Soluções

Uma legislação específica que obrigasse os clubes a liquidarem seus débitos com um técnico antes de contratar outro poderia ser a solução, na opinião do treinador do Criciúma, Gilson Kleina. No time catarinense, ele não teve problemas. Não pode dizer o mesmo de suas três equipes anteriores, Botafogo (RJ), Atlético-MG e Coritiba. Leão cobra dívidas do Atlético-MG, Juventude e Sport. No último caso, ir à Justiça foi a saída que encontrou para pleitear os oito meses de salários sem receber. Atualmente, o ginásio de esportes do Sport está penhorado em seu nome.

O Juventude admite ainda pendências com Cristóvão Borges e Raul Plassmann. Em relação a Leão, o presidente do clube, Marcos Cunha Lima, confirma a dívida, mas diz que não vai pagar. No ano passado, o técnico solicitou o reembolso por tudo que pagou de imposto de renda na época em que estava em Caxias. “Para esse, eu não pago nem morto, pois é um absurdo ele vir cobrar os impostos”, disse o dirigente.

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