Suspeita de fraude volta a atingir o Bolsa Atleta

Paulo Pinto subiu ao lugar mais alto do pódio na edição de 2013 do Campeonato Sul-Americano Aberto de Submission, modalidade de luta de chão mais conhecida como “jiu-jítsu sem quimono”. Ao seu lado, estavam Tarsis Humphreys e Jones Fortes, demais medalhistas da categoria até 95kg. O ministério do Esporte, porém, foi informado oficialmente pela Confederação Brasileira de Submission (CBLS) de que o campeão sul-americano de 2013 foi Cristian Meneth Macambira, filho do presidente da entidade, Elisio Cardoso Macambira. Por conta do suposto título, o governo concedeu Bolsa Atleta de R$ 1.850,00 mensais a Cristian Macambira, conforme consta em lista publicada no Diário Oficial do último dia 15 de novembro.

O ministério do Esporte afirma que, antes de conceder a Bolsa Atleta, faz “comprovação por meio de documentação do evento” e que verifica “por amostragem, por meio da internet, os nomes dos atletas e as competições que participaram”. Mesmo assim, não localizou os resultados do Sul-Americano, que estavam disponíveis em sites de revistas especializadas e na página do evento no Facebook. A competição, realizada em 18 de janeiro do ano passado, em Osasco (SP), contou com assessoria de imprensa, que divulgou amplamente os campeões, entre eles Paulo Pinto, que recebeu a medalha de ouro das mãos do próprio Elisio Macambira, como mostram fotos do pódio.

Elisio Macambira não é um dirigente qualquer. Ele coleciona cargos em federações e confederações, todas com acesso a verbas públicas. No esporte olímpico, seu posto mais importante é a vice-presidência da Confederação Brasileira de Lutas Associadas (CBLA), entidade ligada ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e responsável pela luta olímpica no País. É o número 1 na sucessão do presidente Pedro Gama Filho.

O grande trunfo de Elisio Macambira, porém, é a Confederação Brasileira de MMA (CBMMA), da qual também é presidente. Causou estranheza na imprensa especializada em MMA no Brasil quando, em 2012, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, apareceu para levar credibilidade ao evento que lançou a CBMMA, uma das várias confederações de MMA que surgiam naquele momento para ocupar um nicho carente de regulamentação. Elisio Macambira era um ilustre desconhecido naquele mundo até então.

“Eu celebro a criação dessa confederação, sei que está em mãos de alguém que conhece o significado do esporte e o valoriza para a sociedade e juventude”, disse Aldo Rebelo, na ocasião do lançamento da CBMMA. Elisio Macambira é filiado ao PCdoB, mesmo partido do ministro, e foi o primeiro coordenador de esportes da Juventude Socialista, quando ela foi fundada por Aldo Rebelo, em 1984.

Apesar da baixa representatividade e de organizar eventos com foco em atletas de outra modalidade (jiu-jítsu), a CLBS conseguiu em 2011 tornar-se apta a firmar convênios com o ministério do Esporte. Para obter tal aval, apresentou, em 30 de agosto de 2012, cinco cartas de capacidade técnica, numa verdadeira sopa de letrinhas entre tantas entidades diferentes.

Os documentos que atestam a idoneidade da CBLS foram todos assinados por entidades ligadas a Elisio Macambira: CBLA (da qual ele é vice-presidente), CBMMA (em que é o presidente), Federação Olímpica Greco-Romana Wrestling do Estado de São Paulo (FOGRESP, presidida por um filho de Elisio Macambira), Federação do Estado de São Paulo de Lutas Associadas e Greco-Romana (a FLAESP tem o mesmo endereço da FOGRESP e nenhuma representatividade) e Federação Paulista de Bujutsu (presidida por Vinicius Rogério Trindade, filho do vice-presidente da CBMMA). Os CNPJs da FOGRESP, da FLAESP e da CBMMA foram abertos com três semanas de diferença, em 2011, dias antes da primeira proposta enviada ao ministério: convênio de R$ 60 mil para organizar o Campeonato Brasileiro de Submission.

O ministério aceitou as cartas de capacidade técnica, o que permitiu à CBLS receber R$ 356 mil do governo para organizar o Campeonato Sul-Americano Aberto de Submission de 2013, em um dia de chuva torrencial que derrubou parte do teto do ginásio do Sesi, em Osasco. O valor não contempla o pagamento de viagem ou hospedagem de atletas estrangeiros, até porque a enorme maioria dos competidores era de alunos de academias de jiu-jítsu de São Paulo – o submission é uma versão menos nobre do jiu-jítsu, onde a força prevalece sobre a técnica pela falta de quimono. Um total de R$ 15 mil em prêmios atraiu nomes importantes da arte marcial brasileira para o evento.

Quando recebeu a documentação do Sul-Americano, o ministério aceitou conceder Bolsa Atleta aos medalhistas de 11 categorias (seis delas masculinas) entre as 55 disputadas no evento. Como realiza primeiro o edital para modalidades olímpicas, só agora no fim do ano o governo está concluindo o processo da bolsa para as que não são olímpicas, referente ao ano esportivo de 2013. Em janeiro, deverá quitar as 12 parcelas que deveriam ter sido pagas ao longo de 2014.

Apesar da possibilidade de premiar 66 atletas pelo Sul-Americano, apenas dois lutadores foram contemplados. Um é Cristian Macambira, enquanto o outro é Vinicius Rogério Trindade, que também é presidente da Federação Paulista de Bujutsu. Filho de João Roberto Trindade, espécie de braço direito de Elisio Macambira, Vinicius não participou da competição em Osasco, muito menos venceu a categoria até 65kg como diz a documentação enviada ao ministério do Esporte.

Depois de ser questionado pela reportagem, Vinicius enviou um e-mail ao ministério do Esporte pedindo o cancelamento da bolsa, alegando que iria morar no Canadá e deixaria de treinar. De acordo com o ministério, a CBLS seguiu o mesmo caminho e pediu o cancelamento definitivo das duas bolsas – a pasta não informou o motivo. Paulo Pinto, o verdadeiro campeão sul-americano de submission em 2013, alega que não foi informado da possibilidade de receber a bolsa e que tem total interesse em ter o benefício.

BOLSAS POLÊMICAS TAMBÉM PARA O MMA – De acordo com o ministério, a CBMMA, também presidida por Elisio Macambira, teve a mesma atitude da CBLS e solicitou recentemente o cancelamento das bolsas que seriam pagas a sete atletas do MMA. Entre os contemplados pelo Bolsa Atleta, segundo o Diário Oficial de 15 de novembro, estava Jefferson Nemeth Macambira, o outro filho de Elisio, como campeão sul-americano da modalidade na categoria até 93kg. O ministério também não informou o motivo do pedido de cancelamento.

Naquela ocasião, duas mulheres – Tais Machado e Cíntia Lehnen Guth Nunes – haviam sido contempladas no MMA e, sobre elas, o ministério disse que houve uma “retificação” por parte da CBMMA. Horas antes, a reportagem havia questionado a razão do benefício dado a duas lutadoras que não competiram no Sul-Americano – o evento foi chamado de “Dragon Fight” na prática.

As bolsas do MMA passaram a ser investigadas pelo ministério depois que a Agência Estado denunciou a suspeita de fraudes. A documentação que a CBMMA enviou ao governo citava 46 atletas estrangeiros no “Dragon Fight”, enquanto relatos colhidos pela reportagem afirmam que não havia nenhum lutador de outro país na competição. Além disso, Wallyson Carvalho, que constava em súmula como terceiro colocado no peso pesado, alega que sequer se inscreveu na disputa ou foi para Caxias do Sul (RS), onde aconteceu o evento.

“Logo após a publicação no Diário Oficial da União, a coordenação (do Bolsa Atleta) solicitou envio de informações adicionais, entre as quais as súmulas dos campeonatos, fotos, número da filiação à entidade internacional, e-mail e telefone dos participantes”, explicou o ministério do Esporte, reforçando que não exigiu essas informações antes de publicar a lista de contemplados no Diário Oficial.

O governo explica que a “lista dos nomes que saem no Diário Oficial é preparada com muita antecedência da data da publicação porque existe um trâmite administrativo interno por várias instâncias até ser encaminhada ao Diário Oficial. Por esta razão, o pedido de documentação complementar, quando necessário, só é feito após a publicação da lista”.

O mesmo pedido de documentação complementar não foi feito após a publicação da lista de contemplados pelo edital do ano passado, referente à temporada esportiva de 2012. Na ocasião, sem receber denúncia da imprensa, o governo pagou uma parcela única de R$ 22.200,00 a Cristian Macambira, teoricamente o campeão da “Copa Sul-Americana de Submission”, realizada em Osasco, em janeiro de 2012.

O ministério diz que, após as denúncias, “os processos de 2012 passarão pelas mesmas diligências”. Caso seja comprovada irregularidade, os atletas estarão sujeitos às sanções previstas na portaria que rege o Bolsa Atleta, sendo obrigados a ressarcir o governo em valores atualizados.

OUTRO LADO – No primeiro contato com a reportagem, Elisio Macambira chegou a dizer que seus dois filhos treinam jiu-jítsu e são faixa roxa da modalidade. Depois que soube do teor das denúncias, afirmou que não concederia mais entrevistas e se baseou em determinação de um advogado para não fornecer o contato dos filhos. Procurado novamente por telefone na última quarta-feira, preferiu uma série de ofensas (impublicáveis) ao repórter e encerrou a ligação abruptamente.

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