Seleção brasileira de ciclismo ameaça deixar Curitiba

O ciclismo é uma das modalidades que mais distribuem medalhas durante os Jogos Olímpicos. Ao todo, são 48 medalhas sendo 12 em provas de estrada e o restante na pista. Sonhando com esse “eldorado olímpico?, o presidente da Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), Bruno Caloi assumiu um compromisso junto aos ciclistas do Brasil inteiro e especialmente com a elite do esporte no País: começar um trabalho para dar condições a eles de buscar um lugar no pódio olímpico.

Esse trabalho teve um impulso forte no ano passado. Depois de grande polêmica sobre o local de realização do Sul-Americano, que saiu da Colômbia, por falta das garantias de segurança para as delegações que lá competiriam, e desembarcou no Brasil, após boa jogada política do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman.

Quase em cima da hora, o COB foi obrigado a espalhar os jogos. As sedes de São Paulo e Rio de Janeiro receberam a maior parte das modalidades. Belém, ficou com atletismo, natação e boxe; enquanto Curitiba trouxe ao Estado as disputas das ginásticas, remo, canoagem e o ciclismo. Para garantir os esportes aquáticos, a capital paranaense apresentou a melhor raia da América do Sul. Já a ginástica veio com o aval de Curitiba ser a sede da Confederação da modalidade, ter os melhores aparelhos do Brasil e ainda oferecer o estruturado Ginásio do Tarumã como local de suas competições.

Já o ciclismo só desembarcou em Curitiba por conta de um alinhavado acordo entre o poder municipal e a CBC. Pelo acordo, o município faria uma reforma na pista e se comprometeu, junto à direção da entidade, construir, depois dos Jogos (pois não havia tempo hábil antes disso), uma sede de 300 metros quadrados, onde funcionaria uma espécie posto avançado dando a estrutura necessária para que atletas e direção técnica tivessem tudo ao alcance para desenvolver o potencial já comprovado por destaques individuais, dos pedais brasileiros.

No penúltimo dia de disputa do Sul-Americano em Curitiba, depois do Brasil conquistar cinco das seis medalhas que o mountain bike distribui (ouro, prata e bronze no masculino e ouro e prata no feminino), o então secretário municipal de Esporte e Lazer, Fernando Guedes, revelou que a sede estaria à disposição dos ciclistas até o fim de novembro. Antes, em virtude das leis que impedem repasses no período imediatamente anterior às eleições, seria impossível liberar recursos para tanto.

Sede cara

A obra foi orçada em R$ 310 mil. Do total, o município arcaria com os primeiros R$ 66.929,50, utilizados antes dos Jogos, para reformar a pista, que antes do trabalho estava muito esburacada. Depois da reforma no palco dos competidores, mais nenhum centavo foi gasto. Os jogos terminaram, e os propalados recursos para a construção da sede não saíram do papel. A CBC, que investiu na compra de colchões e beliches, hoje colocados no alojamento improvisado da Praça Plínio Tourinho, continuam a esperar a nova sede para serem transferidos.

Os recursos estariam disponíveis, segundo Guedes. Mas a reportagem da Tribuna/O Estado teve acesso na última quinta-feira a um documento onde está provado que o ministério do Esporte, que seria o parceiro da Prefeitura na construção da sede, não aceitou o que foi proposto pelo poder municipal. “Assim que assumi, tirei este relatório de pendências, e desde julho passado a resposta do governo federal era negativa quanto a investimentos sobre esta parceria”, revelou Juliano Borguetti, secretário municipal de Esporte e Lazer, que assumiu em janeiro deste ano.

Impaciência

Já o vice-presidente da CBC, José Luiz Vasconcellos, disse que o tempo de espera por uma resposta do poder municipal de Curitiba quanto à obra está acabando. “Estamos dando total apoio a Curitiba, embora tenhamos recebido propostas de outras cidades e estados”, revela o londrinense que não quer ainda tirar de Curitiba o projeto que vem sendo bem conduzido pela dupla de treinadores formada pelo professor da Universidade Federal do Paraná, Iverson Ladewig, e o titular do Velódromo do Jardim Botânico, Adir Romeo.

“O acordo era que o município construiria uma estrutura, para poder abrigar uma seleção permanente”, disse Vasconcellos, alertando que a CBC não tem como liberar verba para tirar do papel o projeto. “Infelizmente, caso não haja uma solução, seremos obrigados a tirar a preparação da seleção de Curitiba, embora reconheça que as 11 vagas conquistadas para o Pan-Americano de Santo Domingo tenham o mérito do trabalho dos treinadores, que bem orientaram os atletas e estão colhendo os primeiros frutos”, ponderou Vasconcellos, sem negar porém, que o engessamento do projeto, pode significar a saída da seleção do Paraná.

Iverson e Adir assumiram a seleção ainda no final de 2001. Desde então vêm comandando um grupo que já teve até 32 ciclistas. Desde janeiro último, Adir assumiu o trabalho de estrada, enquanto Iverson ficou com a pista. A mudança se deu em virtude da morte do técnico da equipe Caloi, de São Paulo, Antonio Fernandes, que comandava a turma da estrada, faleceu em virtude de um infarto fulminante.

Este ano, a seleção de estrada estará embarcando pela segunda vez para o Chile na semana que vem. Eles vão participar da Volta do Chile como parte da preparação para o Pan de agosto.

Enquanto isso, Iverson deve comandar mais uma bateria de treinos no Velódromo.

Terça-feira o time da secretaria, capitaneada por Juliano Borguetti, se reúne com a presidente da FAS, Marina Taniguchi, para solicitar a cessão definitiva do espaço da Praça Plínio Tourinho, onde funcionaria a sub-sede da CBC, em Curitiba.

A versão de Guedes

A reportagem de O Estado/Tribuna também ouviu a versão de Fernando Guedes. O ex-secretário revelou que realmente não havia recebido uma confirmação oficial do então Ministério do Esporte e Turismo (foi desmembrado pelo Governo Luiz Inácio Lula da Silva). “O que realmente ocorreu foi uma confirmação verbal do ministro Caio Luiz de Carvalho e do então secretário nacional de Esportes, Lars Grael, que nos garantiram a verba para a construção da sede de 300 metros quadrados, conforme um projeto arquitetônico produzido pela Secretaria do Meio Ambiente de Curitiba”, revelou Guedes, lembrando que o Velódromo está sob jurisdição daquela secretaria. No total, foram “reservados” R$ 400 mil para a obra.

Depois do “acerto verbal”, Guedes esperou todo o período eleitoral, para então voltar à carga junto ao Ministério, pedindo novamente que a verba fosse repassada e assim Curitiba honrasse o compromisso assumido junto à Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC). Mas, devido ao resultado da eleição, os homens de Brasília recuaram. Aliado à mudança de poder, outro problema, segundo versão de Fernando Guedes, foram os cortes no orçamento. “Quando nos demos conta já era dezembro”, confessou Guedes.

Desmentido

Mas ao ouvir novamente o atual secretário, a reportagem de O Estado/Tribuna descobriu que em julho do ano passado a resposta do ministério já havia sido dada a Guedes, e era negativa. Através do ofício número 5409/02, do ano passado, emitido e assinado pelo chefe de gabinete, Walter Batista Alvarenga, é negado o valor pedido, devido “a sérias restrições orçamentárias e financeiras impostas à Administração Pública Federal”, enviada à Smel em 19 de julho de 2002.

Má fé?

Fica no ar a pergunta. Se Guedes já sabia da resposta em julho, porquê concedeu entrevista à imprensa no penúltimo dia dos Jogos em Curitiba, confirmando que Curitiba iria honrar o compromisso?

Outra pergunta que não cala é sobre o custo da obra. O valor pedido pela secretaria foi de R$ 310 mil. Mas se multiplicarmos o Custo Unitário Básico (CUB) de referência para o Estado do Paraná, existente na página do IBGE, que é de R$ 344,05 pela metragem da obra apresentada, chega-se ao valor de R$ 129.915,00. Guedes ainda falou ontem em algo em torno de R$ 400 mil pedidos ao ministério. Talvez esta seja uma das razões de não ser aceito o pedido pelo Ministério de Esporte e Turismo. Afinal, o Tribunal de Contas da União (TCU) nem sempre deixa por menos as contas que não batem.

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