Robinho, o herdeiro do Rei Pelé

O futebol-arte do franzino Robinho o levou a se tornar herdeiro do trono de Pelé na Vila Belmiro. Mas seu jeito moleque de driblar remete a Garrincha. Tamanha inspiração não poderia levar o jovem atacante a outro destino senão sagrar-se campeão brasileiro pelo Santos. Ontem, no Morumbi, ele conduziu o time a um título inédito na história do clube. Na vitória santista por 3 a 2 sobre o Corinthians, Robinho fez de tudo: marcou gol, deu outro de presente e terminou a competição merecidamente consagrado.

As emoções da decisão começaram cedo. Antes mesmo do primeiro minuto, Diego, um dos meninos de ouro da Vila, sofreu uma distensão muscular na coxa esquerda, a mesma que o impediu de treinar durante a semana em Jarinu. No lugar do jovem comandante santista, o técnico Leão pôs o experiente Robert. Quando o relógio completou sua primeira volta, foi a vez dos corintianos receberem uma descarga de adrenalina: Guilherme cabeceou livre e Fábio Costa fez defesa espetacular.

Apesar de muito disputado, o jogo era leal. A primeira falta foi cometida somente aos dez minutos. E justamente nesse momento o Santos criou sua primeira oportunidade, numa cabeçada do zagueiro Alex que levou Doni a uma acobracia para evitar o gol. À esta altura, taticamente perfeito, o Santos dominava o meio-campo e saía para o ataque em alta velocidade com Robert e Robinho, que se destacava com dribles desconcertantes.

Foi numa seqüência de sete pedaladas para cima de Rogério, aos 35 minutos, que Robinho deixou o título brasileiro mais perto da Vila Belmiro. Depois de tantos dribles, o lateral corintiano cometeu pênalti no atacante. O próprio Robinho bateu, pondo a bola num canto e Doni do outro, longe da lente dos fotógrafos. “Ainda não ganhamos. Vamos respeitar o Corinthians”, disse Robinho, no intervalo.

Prova para cardíacos

O segundo tempo foi uma prova para cardíacos. O Santos continuou superior, e por pouco Robinho não amplia o placar aos cinco minutos, após bela jogada de Renato, Léo e Elano. O Corinthians reagiu e chegou a virada aos 39 minutos com um gols de cabeça de Ânderson. Mas aí Robinho entrou em ação.

Em duas jogadas, uma delas toda dele, o Santos chegou à vitória e garantiu o título. Aos 43, o atacante driblou Anderson e tocou para Elano marcar. Nos acréscimos, o atacante iludiu Kléber e Vampeta, mas a bola sobrou para Léo, que passou por Fabrício e chutou no ângulo de Doni. O terceiro gol do Santos fechou com chave de ouro o Campeonato Brasileiro, no ano do penta, de Ronaldo, do Santos e de Robinho, o menino prodígio dos gramados nacionais.

Balanço positivo de um time “baratinho”

O Santos começa em fevereiro a colher o que plantou em 2002. Depois de 18 anos, o time voltará a disputar a Copa Libertadores da América, mais importante competição da América do Sul. Os treinamentos iniciam-se em 8 de janeiro, na mesma Jarinu onde o time se preparou para a final do Campeonato Brasileiro.

Não haverá muitas mudanças no elenco. A idéia é continuar apostando nesse time barato, que beira o “custo-zero” em termos de contratação, e reforçá-lo com alguns jogadores mais experientes.

“Não adianta apenas ser experiente. Tem de jogar bem e estar adaptado ao resto do elenco”, diz o técnico Emerson Leão.

O treinador santista tenta afastar o entendimento de que a Libertadores é um campeonato para jogadores violentos e que seus “meninos” não seriam maduros para a missão. “Falam tanto em futebol aguerrido e eu não consigo ver um time mais aguerrido do que o Santos. Todos os nossos jogadores lutam pela bola com muita vontade e raça. Nesse aspecto, estamos muito bem servidos.”

Lateral-esquerdo

O que muda, então? Leão gosta de dizer que tem 14 ou 15 jogadores que todo time queria contratar. Ora, um time com ilusões precisaria ter pelo menos 18 jogadores em que se pode confiar totalmente. Não é o que acontece na lateral-esquerda, por exemplo, onde Léo não tem um reserva à altura. Quando não joga, é preciso deslocar o meia Canindé ou o lateral-direito Michel.

E mesmo Léo pode sair. Seu contrato termina no dia 31 e ele quer uma boa recompensa salarial para continuar na Vila Belmiro. “Nosso time é barato e chegou mais longe do que muitos outros que gastaram mais. Agora, queremos ser recompensados.”

O Santos estará vivendo então o dilema de todo time barato que ganha títulos. O que fazer? Aumentar o salário de todos, deixando o time mais caro, como os adversários, ou começar de novo, buscando outras revelações?

Talvez o Santos faça um sacrifício e continue com Léo, mas Robert não ficará. É um dos salários mais altos e não joga como titular. Com sua liberação, será possível pagar mais a outros. Nas categorias de base, há uma nova geração sendo treinada pelos técnicos Sérgio Faria e Lino.

Fala-se no atacante Jerry e no meia Rivaldo, mas todos sabem que uma nova safra como Robinho, Diego e Alex é realmente difícil de aparecer. Seria como ganhar na Mega-Sena dois anos seguidos. Leão deseja montar um elenco mais homogêneo. Quer repetir em todas as posições o que tem na defesa, onde Michel e Preto são jogadores de alto nível.

Festa começou no campo

Com 18 anos de emoção contida, a vitória e a conquista do Campeonato Brasileiro tiveram um sabor especial para os santistas. Além do título e do enriquecimento do currículo, jogadores, diretores e integrantes da comissão técnica comemoravam o fato de terem entrado para a história do clube. Todos sabem que, a exemplo do que aconteceu com Basílio, no Corinthians, e Evair, no Palmeiras, heróis que contribuem para acabar com as famosas ‘filas’ são eternizados.

Ainda no gramado, a grande maioria deixava esse detalhe evidente. Por mais que dissessem na véspera que a cobrança e a pressão não o incomodavam, os atletas mostraram que, estavam sim ‘contaminados’ pela mesma ansiedade que tomava os torcedores. O lateral-esquerdo Léo era um dos mais entusiasmados. “Finalmente podemos gritar ‘é campeão’. Todos nós merecemos muito isso”, afirmou. Já o meia Diego, em plena volta olímpica, vivia uma cena que, quando aconteceu pela última vez (o Paulista de 1984) não havia sequer nascido. “Diziam que nós não tínhamos um título e que por causa disso não podíamos falar nada. Agora podemos.” Já o goleiro Fábio Costa, um dos destaques da partida, aproveitou a oportunidade para mandar recado aos pessimistas de plantão. “Tinha muita gente que pegava no nosso pé e não acreditava. Chegaram a dizer que nós entraríamos nessa competição para fugir do rebaixamento. A resposta está aí”, dizia, referindo-se às organizadas que insistiam em manter as faixas esticadas de cabeça para baixo até que o clube vencesse um título.

Vergonha

Porém, nem tudo foi motivo de festa. Enquanto os jogadores santistas comemoravam e recebiam a premiação, torcedores invadiram o gramado sem qualquer contenção da polícia. Se alguns comportavam-se de forma pacífica, seja buscando uma recordação do ídolo ou pagando uma promessa atravessando o campo de joelhos envolto na bandeira, parte dos invasores dirigiu-se ao setor onde estavam os corintianos para provocá-los.

Irritados com a atitude dos rivais, os corintianos, munidos de fogos de artifício que, por causa da derrota não foram utilizados, passaram a dispará-los em direção ao gramado. A confusão só terminou quando o policiamento de campo foi reforçado por oficiais que faziam o patrulhamento nas numeradas e arquibancada.

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