Entrevista

Parreira: ‘Brasil tem de ser protagonista na Copa’

Carlos Alberto Parreira não desperdiça um minuto nesses dias da seleção na Granja Comary. Com uma câmera simples, fotografa e grava pequenos vídeos de todos os movimentos dos jogadores e comissão técnica. Uma iniciativa particular, que pode virar o inventário do hexa. Aos 71 anos, com sete Copas do Mundo nas costas, Parreira está sereno e confiante na conquista da taça. Nessa entrevista exclusiva à Agência Estado, ele revela de onde vem tanta confiança.

Agência Estado – Depois de tanto tempo no futebol, Copas e mais Copas disputadas, o que te motiva ainda estar com a seleção brasileira?

Carlos Alberto Parreira – É um prazer, uma alegria, um privilégio muito grande, depois de tanto tempo ainda estar ligado à seleção. Comecei em 70 (Copa do México). Larguei a condição de preparador físico, de técnico e, se tivesse de voltar numa função, seria essa de coordenador. Depois da Copa da África do Sul, concluí que tinha de mudar. São 42 anos de treinador, 22 anos fora do Brasil. Bom, agora não tem como ficar fora do Brasil nem ficar nessa vida de treinador, estar aqui sábado e domingo. Parei, pronto. Houve vários convites para gestão de clubes. Não achei as condições ideais.

Agência Estado – Esperava ser chamado para ser coordenador da seleção justo com a Copa no Brasil?

Parreira – Não esperava. Eu sei como isso aqui funciona. As coisas acontecem naturalmente e acabou acontecendo. Disseram que foi porque me coloquei à disposição para voltar à seleção. Não cabe a mim decidir.

Agência Estado – Pesou Felipão ser o treinador?

Parreira – Acho que tinha de ser com um treinador que conhecesse, tivesse afinidade. Poderia ser com o Mano (Menezes), que conheço bem. Com o Felipão foi natural. Uma vez ele veio jogar no Rio com o Palmeiras e eu o convidei para fazer uma palestra na Footecon (seminário sobre futebol) quatro anos atrás aqui no Rio. Fomos almoçar, eu disse a ele: “Nós ainda vamos trabalhar juntos na seleção”. Incrível. Quase um vaticínio.

Agência Estado – Você se sente confortável na função de coordenador?

Parreira – Me senti à vontade porque era um trabalho de tiro curto, um ano e meio. Falei: “Felipão, me sinto preparado para ajudar você”. Porque o Zagallo foi meu coordenador técnico por sete anos e sei exatamente o que tenho de fazer, estamos aqui para ajudá-lo, para dar subsídios para ele decidir. Mas a palavra final tem de ser do treinador.

Agência Estado – O Felipão sempre dá a palavra final?

Parreira – Sempre dou o exemplo do jogo em Minas na semifinal da Copa das Confederações (Brasil x Uruguai). O treinador precisa ter confiança para decidir. Tendo duas pessoas experientes para ajudar é mais confortável. O jogo não estava bom, difícil, pegado, 1 a 1. Chegamos à conclusão de que o Hulk deveria sair. Ele já estava cansado, o jogo dele é muito intenso. Tínhamos três para entrar, Bernard, Lucas e Jadson. Eu fiquei na dúvida, o Murtosa também. Falamos ao Felipão: ‘Vai que a bola é sua’. Ele escolheu o Bernard e acabou dando certo.

Agência Estado – Como é a sua convivência com os jogadores? Nos clubes você não tem mais paciência.

Parreira – Seleção é muito especial, os períodos de preparação são mais curtos, agora foram 16 dias e já vem a competição. O nível dos jogadores hoje é muito melhor, de apresentação, cultura, educação, seguem as regras, não tem problema para chamar atenção, para falar na hora da saída do ônibus, alimentação. Esse grupo é diferenciado, todos jogam em grandes clubes, todos são estrelas, mas, quando chegam aqui, essa unidade de equipe é muito latente.

Agência Estado – A gente observa que você tem tido conversas individuais com os jogadores.

Parreira – É para incentivar, dar apoio. O importante é que todos se sintam parte do grupo, todos são importantes. O Felipão faz esse papel muito bem. Um dia ele fez uma reunião, falou da importância de uma Copa do Mundo. Que a gente não está pronto ainda. Falou das dificuldades que vamos ter, para todos saberem que não é só zona de conforto, vai ter uma zona de desconforto. A nossa chave não é fácil. Não vamos ter um jogo fácil. Ah, falam que Camarões, México são fáceis: não tem jogo fácil. A gente tem de chegar e jogar bem, com vontade. E pensar um jogo de cada vez.

Agência Estado – Disputar a Copa aqui é ótimo, mas tem a pressão.

Parreira – Jogar aqui tem um gostinho especial, diferente. A pressão é maior, mas se o time corresponder, se dedicar, mostrar que quer ganhar, a torcida vem junto. Já deu uma resposta muito boa na Copa das Confederações, acho que não vai ser diferente na Copa, a gente espera que a resposta seja melhor. Aquela interação jogador e torcida foi uma chama maravilhosa para a seleção. Espero que cresça na Copa.

Agência Estado – Vocês não temem que um eventual mal-estar nas ruas possa ter efeito na seleção? As manifestações contagiam a seleção?

Parreira – A gente não teme. Não estamos imunes, não é essa a palavra, mas a gente está blindado.

Agência Estado – Quem blindou?

Parreira – A gente, no papo. O Daniel foi muito bem, ele falou: “Sou do povo, sou povo, minha família é humilde, entendo perfeitamente essas manifestações, mas nossa missão agora é esportiva, não é missão social, política”. Todo mundo tem de entender isso. Não é que a gente seja alienado. Não dá para misturar agora a parte social, econômica e política, senão você perde o foco. Nossa missão agora é esportiva e a esportiva é ganhar a Copa. Acho que a gente vai conseguir essa blindagem. Eles podem se manifestar nas redes sociais, mas não vai chegar na seleção.

Agência Estado – Como o Brasil terá de jogar a Copa?

Parreira – Como protagonista. Tomando a iniciativa, como fizemos na Copa das Confederações. Jogar em casa não dá para ficar lá atrás, esperando. Mas se alguém nos pressionar, estamos preparados para saber defender. É até bom que nos pressionem. A gente rouba a bola, a gente tem um contra-ataque mortal. Jogadores rápidos na frente, Neymar é muito rápido, Oscar muito rápido, nossos laterais que saem em velocidade. Ser pressionado, em algumas situações, não vai ser muito ruim não. Mas não podemos ter uma postura, ou imaginar o Brasil jogando a Copa em casa no contra-ataque. Também não vai dar para marcar em cima o tempo todo.

Agência Estado – Como você enxerga a Copa, como as seleções vão jogar? Vai ser de velocidade?

Parreira – Está tudo definido, não vai ter nenhuma novidade tática. As equipes vão jogar no 4-2-3-1, 4-4-1-1 ou 4-1-4-1, não é mais novidade. Aqui no Brasil vai ser de mais toque, até por causa das temperaturas. A maioria das seleções vai marcar até com oito atrás, principalmente contra o Brasil.

Agência Estado – Como você vê o caminho do Brasil na Copa?

Parreira – O nosso caminho pós fase de grupo não é nada fácil. Vem a Espanha, Holanda ou Chile. Estamos prevendo aí a Itália, Inglaterra ou Uruguai. Ninguém pode dizer qual das três vai ser nosso adversário. Depois vem a Alemanha. Provavelmente Argentina na final. Não adianta pensar neste ou naquele, tem de pensar cada jogo por vez.

Agência Estado – Fred preocupa, apesar do gol que fez na sexta-feira contra a Sérvia?

Parreira – A gente acha que na competição ele vai crescer. Mesmo o Oscar. Não adianta fazer projeções agora, com amistosos, coletivos. A gente tem de esperar a Copa começar. O Felipe vai dar apoio ao Fred e ao Oscar, a gente tem confiança neles.

Agência Estado – Ganhar uma Copa aqui terá um peso extraordinário para você. Vai ser sua maior vitória da carreira ou aquela de 94 (nos EUA) tem peso maior?

Parreira – Aquela de 94 eu era o treinador, tem um peso especial. O treinador absorve toda a carga, é diferente. No meu caso, seria muito interessante porque fui campeão do mundo como preparador físico, técnico e agora, se for, como coordenador.

Agência Estado – Você tem feito vídeos, fotos dos momentos da seleção aqui na Granja, nos treinamentos. É para um acervo particular?

Parreira – Faço aqui fora (nos campos), lá dentro (concentração) não. Peguei um almoço só, uma palestra só para registrar. O importante é registrar. De 94 (na Copa) a gente não tem quase nada registrado. Agora a CBF tem a CBF News, que grava um bom material. No meu caso, não. É como se fosse um diário.